Jurei mentiras
E sigo sozinho
Assumo os pecados
Uh! Uh! Uh! Uh!...
Os ventos do norte
Não movem moinhos
E o que me resta
É só um gemido...
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino
Uh! Uh! Uh! Uh!
Minh'alma cativa...
Rompi tratados
Traí os ritos
Quebrei a lança
Lancei no espaço
Um grito, um desabafo...
E o que me importa
É não estar vencido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino
Minh'alma cativa...
sábado, 1 de maio de 2010
PAVLOVIANA (José Paulo Paes)
a comida
a sineta
a saliva
a sineta
a saliva
a saliva
a saliva
a saliva
a saliva
o mistério
o rito
a igreja
o rito
a igreja
a igreja
a igreja
a igreja
a igreja
a revolta
a doutrina
o partido
a doutrina
o partido
o partido
o partido
o partido
o partido
a emoção
a idéia
a palavra
a idéia
a palavra
a palavra
a palavra
a palavra
a palavra
a sineta
a saliva
a sineta
a saliva
a saliva
a saliva
a saliva
a saliva
o mistério
o rito
a igreja
o rito
a igreja
a igreja
a igreja
a igreja
a igreja
a revolta
a doutrina
o partido
a doutrina
o partido
o partido
o partido
o partido
o partido
a emoção
a idéia
a palavra
a idéia
a palavra
a palavra
a palavra
a palavra
a palavra
O Século de Pavlov
Dizem os luminares da vida acadêmica que o século 20 (que ainda não terminou) é O Século de Freud. Discrepo. O Século de Freud será o século 21, se um dia nele ingressarmos. Será o século em que estudaremos a fundo o ser humano, seus desejos, seus impulsos. Tenho a ousadia de proclamar em alto e bom som que estamos vivendo ainda O Século de Pavlov. Ou seja, o século em que todos os esforços se dão na direção de manipular as pessoas, e não de entendê-las.
O dr. Pavlov ficou famoso pela sua experiência com cães. Ele tocava a sineta no laboratório e logo em seguida servia comida aos cachorros esfaimados. O cachorro entendia que logo depois da sineta vinha a comida, e, mal ouvia a sineta, começava a salivar, mesmo que não aparecesse comida nenhuma.
Ninguém descreveu melhor o Século de Pavlov do que o saudoso poeta, tradutor e crítico José Paulo Paes, no poema “Pavloviana” (no livro Um por todos, Ed. Brasiliense, 1986). O poema se organiza graficamente de uma maneira impossível de reproduzir aqui, , mas valha a intenção. A primeira estrofe diz: “A comida a sineta a saliva / a sineta a saliva a saliva / a saliva a saliva a saliva”. Para mim está claro. A primeira linha descreve o processo inicial. A segunda mostra que, retirada a comida e mantida a sineta, a salivação continua. Por fim, a própria sineta pode ser retirada. O cachorro lembra dela, ou então está apenas acostumado, e fica salivando sem parar.
Eis a segunda estrofe: “O mistério o rito a igreja / o rito a igreja a igreja / a igreja a igreja a igreja”. Toda religião nasce de um mistério. É criado um rito para celebrar esse mistério, e depois uma igreja para perpetuar o mistério e o rito. O problema é que com o passar dos séculos perde-se o interesse pelo mistério, e o próprio rito se desvaloriza dentro da igreja, transformada numa máquina gigantesca e autônoma.
A terceira diz: “A revolta a doutrina o partido / a doutrina o partido o partido / o partido o partido o partido”. Preciso comentar, brasileiros?
Eis a quarta estrofe: “A emoção a idéia a palavra / a idéia a palavra a palavra / a palavra a palavra A PALAVRA”. O processo criativo nasce de uma emoção, algo que assalta nossa mente antes que possamos compreendê-la. No esforço de compreendê-la, geramos uma idéia, que não é a mesma coisa que a emoção, mas é uma face complementar dela. E finalmente encontramos as palavras para exprimir a idéia e talvez gerar (no leitor) uma emoção equivalente à que deu origem ao processo todo.
Acontece que é mais fácil lidar com idéias do que com emoções, e é mais fácil lidar com palavras do que com idéias. A poesia se transforma numa atividade meramente técnica, num jogo verbal em branco, destituído de emoções e idéias. A fórmula cruel de JPP descreve não apenas os processos acima, mas muitos outros do mundo em que vivemos, no Século de Pavlov. Brindemos à percepção do poeta, e ao refinamento com que soube encontrar a forma exata de transmiti-la.
Postado por Braulio Tavares no Mundo Fantasmo
O dr. Pavlov ficou famoso pela sua experiência com cães. Ele tocava a sineta no laboratório e logo em seguida servia comida aos cachorros esfaimados. O cachorro entendia que logo depois da sineta vinha a comida, e, mal ouvia a sineta, começava a salivar, mesmo que não aparecesse comida nenhuma.
Ninguém descreveu melhor o Século de Pavlov do que o saudoso poeta, tradutor e crítico José Paulo Paes, no poema “Pavloviana” (no livro Um por todos, Ed. Brasiliense, 1986). O poema se organiza graficamente de uma maneira impossível de reproduzir aqui, , mas valha a intenção. A primeira estrofe diz: “A comida a sineta a saliva / a sineta a saliva a saliva / a saliva a saliva a saliva”. Para mim está claro. A primeira linha descreve o processo inicial. A segunda mostra que, retirada a comida e mantida a sineta, a salivação continua. Por fim, a própria sineta pode ser retirada. O cachorro lembra dela, ou então está apenas acostumado, e fica salivando sem parar.
Eis a segunda estrofe: “O mistério o rito a igreja / o rito a igreja a igreja / a igreja a igreja a igreja”. Toda religião nasce de um mistério. É criado um rito para celebrar esse mistério, e depois uma igreja para perpetuar o mistério e o rito. O problema é que com o passar dos séculos perde-se o interesse pelo mistério, e o próprio rito se desvaloriza dentro da igreja, transformada numa máquina gigantesca e autônoma.
A terceira diz: “A revolta a doutrina o partido / a doutrina o partido o partido / o partido o partido o partido”. Preciso comentar, brasileiros?
Eis a quarta estrofe: “A emoção a idéia a palavra / a idéia a palavra a palavra / a palavra a palavra A PALAVRA”. O processo criativo nasce de uma emoção, algo que assalta nossa mente antes que possamos compreendê-la. No esforço de compreendê-la, geramos uma idéia, que não é a mesma coisa que a emoção, mas é uma face complementar dela. E finalmente encontramos as palavras para exprimir a idéia e talvez gerar (no leitor) uma emoção equivalente à que deu origem ao processo todo.
Acontece que é mais fácil lidar com idéias do que com emoções, e é mais fácil lidar com palavras do que com idéias. A poesia se transforma numa atividade meramente técnica, num jogo verbal em branco, destituído de emoções e idéias. A fórmula cruel de JPP descreve não apenas os processos acima, mas muitos outros do mundo em que vivemos, no Século de Pavlov. Brindemos à percepção do poeta, e ao refinamento com que soube encontrar a forma exata de transmiti-la.
Postado por Braulio Tavares no Mundo Fantasmo
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