quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Primeiro Fausto - o livro


O Primeiro Fausto - algumas palavras sobre a obra

Fausto é um mito ocidental nascido do conflito entre o Obscurantismo Medieval e o Iluminismo Renascentista. O surgimento desse mito deve-se a um drama produzido por autor anônimo a partir de relatos populares sobre a vida de um tal doutor Jorge Faustus (Alemanha 1480? - 1540?), mágico errante, conhecido por suas práticas de cura e de profecias, versado em medicina, alquimia, astrologia... A lenda conta que este personagem teria vendido a alma em troca de conhecimento e prazer.
A grande aceitação popular do mito naquela época deve-se ao conflito imposto ao homem ocidental pela contra-Reforma. A sede de conhecimento seria, na verdade, um ato de afronta a Deus por querer se equiparar a ele através do poder conferido pelo conhecimento sensível (prazer) e intelectual (conhecimento). Por essa razão, Fausto deveria pagar com sua condenação ao fogo do inferno. Por essa mesma condenação passou Giordano Bruno. Figuras contemporâneas desse Fausto anônimo foram Paracelsius, Nostradamus, Bacon, Galileu.
Goethe, ainda criança, toma contato com o mito através de apresentações de teatro mambembe ou de teatro de marionetes apresentadas em praças de mercado. Essa história marcará toda a sua vida e representará a própria essência de sua existência. O autor trabalhou sobre o texto durante sessenta anos. Mas, diferente da fábula popular, o Fausto de Goethe, ao final, reconcilia-se com Deus e é redimido em sua afronta, mas carregará consigo, pela eternidade, a insatisfação. Sob o ângulo Iluminista, a busca da verdade, do conhecimento dignifica o homem. Trata-se de um busca nobre que aproxima o homem de Deus e torna-o o Iniciado, o Iluminado.
A insatisfação, resultado da jornada fáustica, talvez seja um dos principais aspectos que torna o mito do Fausto, por excelência, o mito do homem ocidental contemporâneo. A fome de/pelo conhecimento, a busca pelo significado da vida, o anseio em tocar e compreender o mistério tornam-no um mito vivo e atuante no subconsciente ocidental.
Na literatura modernista, o mito de Fausto ressurge prenhe das contradições características de uma sociedade tecnologicamente avançada, mas psicologicamente fragmentada e tomada pelo senso de vazio. O homem ocidental não pertence a lugar nenhum(Não sou brasileiro,Não sou estrangeiro.Não sou de nenhum lugar,Sou de lugar nenhum...Nenhuma pátria me pariu.Eu não tô nem aí.Eu não tô nem aqui.Eu não sou daqui, eu não dali, eu não sou de lugar nenhum - Titãs), seu ego-persona caiu, espatifou-se, e nenhuma cola ideológica conseguirá esconder as marcas da fragmentação. Vários autores modernistas reconstruíram, em bases contemporâneas, o mito do Fausto, reescreveram, em nova formatação, o drama daquele que quis equiparar-se a Deus. Além de Gertrude Stein (Doctor Faustus Lights the Light, 1936), Paul Valéry (Mon Faust, 1946) e Thomas Mann (Doktor Faustus, 1947), Fernando Pessoa foi um dos que tomou a si esta tarefa.
O livro Primeiro Fausto, da Iluminuras, é o resultado do trabalho do falecido professor Duílio Colombini. Em suas pesquisas, que incluíram visitas diárias ao acervo do poeta durante três meses, e em suas análises desse material, Colombini revê e amplia um estudo anterior feito pelo Sr. Eduardo Freitas da Costa, o qual resultou na primeira versão dessa obra pessoana.
Como o próprio Colombini reconhece nesta introdução, não foi um trabalho fácil dada a quantidade de material relativo à obra, mas deixados sem identificação ou não datados pelo poeta. Havia também muito material escrito à mão e com seqüências, às vezes, ilegíveis. Ou seja: Não havia nada organizado em definitivo pelo poeta. Em razão disso e por respeito à produção poética, Colombini apresenta sua versão do Fausto pessoano com lacunas marcadas por colchetes ou coloca entre parênteses dúvidas de sua própria leitura. É um trabalho de pesquisa eivado de notas que, se por um lado poderia deixar o leitor um pouco cansado, por outro confirma a fidelidade do pesquisador ao material pesquisado e demonstra, aos aficcionados por Fernando Pessoa, a intensidade e a multiplicidade de sua produção poética.
O Primeiro Fausto é um texto dramático-poético no qual o poeta português aplica o conceito de teatro estático à semelhança do que fez em O Marinheiro. Sobre o conteúdo da obra, diz Colombini: "O cerne dos escritos que nos vieram ter às mãos reside, a meu ver, numa torturante inquirição sobre a existência (entendida como o estar aqui e o relacionar-se com pessoas e coisas da realidade física e social) e a essência (natureza íntima e abstrata de tudo que existe no universo). Nisso consiste sua unidade." p. 17.
No levantamento do material, Colombini percebe que Pessoa chegou a pensar em escrever três Faustos. Foi encontrado, pelo pesquisador, um 'Plano dos 3 Faustos' com o seguinte esquema:
"I - Oposição entre a Inteligência e a Vida.
II - Oposição entre o Desejo e a Realidade
III - Oposição entre Não-Ser e Ser
a Inteligência busca compreender
O Desejo busca possuir (compreender de perto)
O Não-Ser busca o Ser".
No entanto, no trabalho de análise, Colombini percebe a insuficiência de material para a execução de tal plano. Conclui-se que Fernando Pessoa não teve tempo de finalizar o projeto conforme esboçado. Mais ainda: no rastreamento feito, o pesquisador depara-se com 4 planos para aquilo que seria o texto poético-dramático denominado Primeiro Fausto, mas um deles é excluído pelo próprio Pessoa. Vê-se que à unidade temática geral, acima descrita, não corresponde uma unidade estrutural definitiva.
Analisando o material encontrado e confrontando-o com as possibilidades de planos da obra aventados por Pessoa, o professor Colombini organiza, então, os textos dividindo-os em cinco atos. O primeiro deles trata da consciência do mistério do mundo e nele é possível perceber uma sensação de correspondência entre o mundo material e outras realidades mais profundas. Percebe-se também, neste ato, que a alma de Fausto é percorrida por um tremor metafísico que a deixa aterrorizada diante de sua impotência em relação ao segredo inatingível que começa a vislumbrar. perceber esse segredo, essa alma do Universo, incluir refletir sobre a essência de tudo, dos seres, de Deus e do Absoluto. Isso produz em Fausto um sentimento misto de orgulho por ter penetrado além das aparências e de dor por compreender que o mistério só se aprofunda, pairando para além do Pensamento.
O segundo ato é formado por textos que tratam da busca da Imortalidade e que, mais especificamente, discorrem sobre o horror à morte. Entretanto, Fausto vislumbra nessa Imortalidade um absurdo maior e um Nada mais amplo.
A temática do amor é o foco do terceiro ato. Nele Fausto enfrenta a desilusão amorosa posto que o amor é uma coisa incompreensível e que está afastado dele por um abismo profundo. Esse abismo, conclui Fausto, é, em verdade, o abismo que existe entre ele (Fausto) e si mesmo. Mais ainda: tal abismo estende-se para além do ser amado, incluindo nele a humanidade, o horror metafísico do contato carnal, expressão física do Mistério consubstanciado, e o horror físico da relação amorosa no resguardo da interioridade do corpo e da alma (p. 30).
A tentativa de dissolver a vida na ação intensa e o desejo de diluir a consciência da frustração existencial e metafísica na sonolência do corpo e do espírito marcam o quarto ato. Porém tudo conduz ao malogro.
Essa caminhada, até agora empreendida pelo protagonista, desemboca num imenso vazio universal (quinto ato). Por isso, Fausto aspira ardentemente à Morte em cujos braços deseja adormecer, sem sonos, sem sonhos e sem jamais despertar.Colombini, elege como epílogo, um texto no qual a Morte é apresentada não como porFernanda Meireles, Juiz de Fora, ag de 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Monólogo nas Trevas - do Fausto pessoano

De qualquer modo todo escuridão
Eu sou supremo. Sou o Cristo negro.
O que não crê, nem ama - o que só sabe
O mistério tornado carne.

Há um orgulho atro que me diz
Que sou Deus inconsciençando-me
Para humano; sou mais real que o mundo;
Por isso odeio-lhe a existência enorme,
O seu amontoar de cousas vistas.
como um santo detesta / /
Odeio o mundo, porque o que eu sou
E me não sei sentir o que sou, conhece-o
Por não real e não ali.

Por isso odeio-o
Seja eu o destruidor! Seja eu Deus-ira!

sábado, 1 de agosto de 2009

outro trecho do Fausto - F. Pessoa

Tudo é mistério e o mistério é tudo.

Tudo é mais que ilusão; o próprio sonho
Do universo transcende-se a si mesmo
E a compreensão, ao penetrar
Escuramente a (casca) da ilusão,
Fica sempre aquém mesmo de ver bem
O quanto fitando é ilusão o sonho,
E quanto o próprio pensamento fundo
Se ilude na desilusão falaz
E no desiludir-se dele mesmo.