domingo, 19 de janeiro de 2014

Texto sem data

                Hoje foi um dia de silêncio e trabalho. Passei o dia em meio a papéis, recibos velhos e novos, revi antigas anotações e repassei a agenda usada, mesmo q de forma bastante descontínua, no ano passado. Então, me deparei com dois textos meus sem datação. Um talvez seja de janeiro de 2013, mas o outro não sei de quando é. É esse segundo texto q trago aqui para o blog. Vamos a ele:

“Mais uma vez acordo por volta das três e trinta da madrugada. Há um silêncio absoluto em tudo à minha volta. Árvores, animais, noite... nenhuma folha se move, não há canto de coruja alguma. Apenas eu, tb, em silêncio, olho as estrelas caladas num céu aberto e de profundo azul.
Acima da minha casa, bem acima, está o Cruzeiro do Sul, parecendo traduzir q naquele silêncio e naquela imobilidade absurdos, mesmo neles, há uma direção, há uma indicação de rotas para navegantes de mares de diversa essência.
Dentro de mim, há tb um silêncio tumultuado de coisas descabidas, inacabadas, mal começadas, silenciadas. Sento-me à beira de mim para conversar com elas. São tristes, tortas e feias, são violentas, são más. São, principalmente, eu mesma.
E eu? O q sou?
Nessa esquina desse pensar obtuso, deparo-me com aquela q considero umas das principais marcas de FPessoa em mim. O texto, através do qual, fui apresentada ao mar português q é Pessoa, um oceano profundo, vasto, às vezes calmo, às vezes violento. Para mim, a maior violência de Pessoa é a sua suprema lucidez, jogada, assim, de chofre na tua cara, com duas, três palavras.
O texto de q falo é a carta em q Álvaro de Campos narra o dia em que conheceu aquele q passaria a chamar de mestre, Caeiro. E Álvaro lhe pergunta se o mestre estava contente consigo. Ao q Caeiro responde: “Não: estou contente”.
Esta resposta assim, curta e simples, se alojou como um disparo certeiro no centro de tudo que eu era então. 22 anos eu tinha. Ela andou uma semana comigo, pesando meu ser. E então, um dia, ela me caiu ao colo como um maço de flores, como uma estrela que se espalha em luz pelo nada, como uma criança q ri inteira. E eu a compreendi com a lógica da alma q é maior q qualquer linguagem humana. Eu a compreendi com o silêncio.
Desde então, ela anda comigo transformada. Doce brisa, violenta certeza.
Desde então, eu tento apenas ser.  Tarefa inglória no mundo das manifestações que te quer tb manifestado, que te pergunta diariamente, na maioria das vezes em silêncio, só com os olhos, quem tu és.
E eu aqui sentada à beira de mim, habitando o silêncio e a noite, quero apenas me calar, cansada desse existir multidiverso. Quero esgotar tudo, até não sobrar nada, até que a própria resposta de Caeiro se dissolva como nuvem no céu noturno, ele mesmo ausente de qualquer brilho, ausente até de si.
Nada... nada... coisa alguma tem importância...
O que é o amarelo?
O que é uma flor à beira do rio?
O que sou eu à beira de mim?
Nada... nada.. coisa alguma tem importância. ” 
                                                                               Fernanda Meireles
                                           
                                       

                                             

domingo, 12 de janeiro de 2014

+Pessoa, pq, para alguns, a noite desce mais forte.

 Para aqueles a quem o abraço dos deuses cobra seu preço, principalmente em noites em que vai alta a lua e vai forte a dor, dois poemas de Fernando Pessoa, na voz do heterônimo Alexander Search:

"Por vezes, no meio da vida, subitamente
Surge uma mudança como uma aberração,
Um senso de vazio, enorme e diferente,
E uma vaga e profunda desolação.
Uma sensação de ser deixado só
E mais que abandono é o seu sentido
(...)
É uma sensação de quase ter morrido.
Morto e consciente, é estranho dizer.
Uma vertigem da própria razão,
Uma agonia vaga e definida
De algo sufocado em aflição."

 ......................

"Febo há muito desceu no Ocidente
Por trás dos montes de rosa tingidos;
Eu, sofrendo, cerro os olhos doridos
Olhando o mundo que ante mim se estende.
Pois pela noite o rio silente desce,
Oculto no escuro já voa o morcego;
Mas, nocturna, a alma não tem sossego,
É na escuridão que meu horror cresce.
Odeio a noite que a mim se assemelha,
Só que em mim, nem astro ou centelha
Dispersa as nuvens da alma e da mente.
Mas como a noite em seu manto sombrio,
Calado e escondido me quedo no frio,
Envolto em dúvidas e delas temente."




Gosto muito dessa foto de Pessoa. O olhar divisa abismos pelos quais é necessário se lançar e, solitário, o ser precisa se recriar. Para alguns, a noite é sempre maior.
Fernanda Meireles, 12/01/2014


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Qqr coisa

Final de tarde de verão
Vontade rabiscar qqr coisa
Que brilhe assim
Entre um poente
E uma pequena estrela
Q surge tímida do outro lado do azul.
Escutando three ways,
Por onde vão meus olhos
Nessa divisa regida por Anúbis?
Escrever qqr coisa entre fresca e cálida,
Qqr coisa em q caiba
Um leve disparar do coração,
Qqr coisa q eleve
Mais alto
O vôo do meu ser.
Escrever qqr coisa
Q seja mar,
Floresta,
Céus.
Tudo se desmanchando
No fluir.
Tudo escorrendo,
areia no deserto
do Sem-fim.
Qqr coisa
Q faça iluminar seu rosto.
           Fernanda Meireles, 06/01/2014