domingo, 10 de janeiro de 2010

Caderno de Resenhas

A PAIXÃO DE CLARICE LISPECTOR
Benedito Nunes

In: NOVAES, A.(org). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

Benedito Nunes começa sua contribuição ao seminário da Funarte retomando Barthes e sua proposta da paixão como força de leitura. A essa proposta é possível, segundo ele, acrescentar uma outra, na qual a paixão se coloca como força da escrita. E para isso o melhor exemplo é a obra A paixão segundo G. H. de Clarice Lispector. O texto de Clarice apresenta um mergulho em “veios arqueológicos, em camadas afetivas culturalmente soterradas da sensibilidade humana.” Esse aspecto da obra é explorado pelo crítico que, antes, faz duas digressões: uma relativa aos aspectos históricos e culturais da paixão, outra relativa à obra de Clarice.
É possível perceber, de acordo com Nunes, uma perda da riqueza dos significados relacionados ao termo grego ‘pathos’. Em princípio, o termo referia-se a uma experiência infligida ao sujeito a qual se opunha o ‘logos’, território do pensamento lúcido. Para o grego arcaico, a paixão é algo misterioso e assustador, uma força que o domina em lugar de ser dominada. Entretanto, o período clássico grego, através de Sócrates e Platão, reformulará esse conceito, passando a conceber a paixão também como um motor benéfico para a ação no mundo. “Um dos diálogos platônicos, o Fedro, exalta os efeitos benéficos de quatro espécies de loucura (mania) consideradas dons divinos: a dos profetas e adivinhos, o entusiasmo inspirado pelas musas aos poetas, a possessão ritual dionisíaca e o transporte amoroso, obra de Eros, do qual se ocupou especialmente O banquete. ” Essa revisão é ignorada pelos estóicos que, em função da ênfase grandiosa dada à disciplina e à virtude, negam a paixão por ser ela forte empecilho à conquista do ‘apaté’, o estado apático do espírito.
Fugindo a esse asceticismo, Platão mostra em A República que a força da paixão pode ser canalizada para a atividade intelectual. Para o filósofo grego, o pensamento racional está comprometido com o patético posto que o filosofar tem por origem um estado de espírito marcado pelo estranhamento admirativo do mundo e das coisas (o ‘thaumazein’). Assim, a filosofia será tanto uma paixão do pensamento (o prazer pelo exercício do logos) quanto um pensamento da paixão, quando de sua tentativa de compreender o irracional.
Para Aristóteles, isso tudo não se separa de uma teoria da alma cujo leitmotiv de que as tendências, apetites e desejos movem a inteligência e a vontade foi herdado pelos escolásticos medievais. Assim, os desejos, conflitantes entre si, podem resistir às admoestações da parte racional ou escutá-las docilmente. Soma-se a isso, o valor catártico que Aristóteles atribuiu à comoção trágica, presente na representação das tragédias gregas, por equilibrar ‘eleos’ (a comiseração) e ‘phobus’ (o terror).
Segundo Benedito Nunes, Tomás de Aquino, no período medieval, defende em sua Suma Teológica que nem todas as paixões são moralmente más. Numa perspectiva salvacionista, existem aquelas que favorecem o caminho do Bem e aquelas que estimulam a transgressão das leis divinas, impedindo o Caminho da Salvação. É justamente dentro desta perspectiva que o amor carnal foi legitimado enquanto restrito ao casamento e à procriação e o amor erótico foi condenado. “ ‘Ágape’ e ‘charitas’, amor a Deus e amor ao próximo, refratários ao espraiamento de Eros, à ilimitação do desejo impulsivo e à sua promessa de imortalidade para os pagãos, compatibilizam-se apenas com o amor de união do êxtase místico. As espécies platônicas da mania, da loucura divina, tornavam-se efeitos de possessão diabólica, atos orgiásticos, práticas de feitiçaria, condenáveis e reprimidos.”
A reabilitação das paixões só ocorreria, no Ocidente, dentro do século XVIII, quando, a partir de uma perspectiva utilitarista, as paixões puderam ser vistas como instrumentos com fins de utilidade social. Era, na verdade, a ética permissiva do capitalismo que aflorava, mostrando que tudo é útil se vantajoso materialmente. O romantismo, em oposição a esse ponto de vista, desperta do subsolo do inconsciente humano tudo que é noturno, instintivo, libera o entusiasmo poético e o arrebatamento amoroso. “Emergiu com ele [romantismo] o novo ‘pathos’ de uma sensibilidade conflitiva; por trás das paixões da alma como que se desvendaria a alma das paixões: a Sehnsucht dos românticos alemães, a aspiração do infinito, sentimento do sentimento e desejo do desejo – tônica passional da inquietude romântica, sofrida e insaciável, que Kierkegaard qualificou de perpetuo esforço para apreender aquilo que se desvanece”. ”
Nesse aspecto, o romantismo enquanto sinônimo da ilusão do desejo espontâneo e da subjetividade quase divina é superado na criação romanesca. Na ficção romântica, o desejo e a paixão, principalmente a paixão amorosa, a dependência intersubjetiva e social do desejo, a transferência de interesses sociais, expõem um jogo de forças que deixa vulnerável a autonomia do sujeito centrado no Eu. “A crítica da ilusão romântica – ilusão que não compromete a essência do romantismo – alerta-nos contra a postura ingênua que reclama da literatura o puro espelhamento das paixões. Qualquer que seja o grau de expressão literária por elas alcançado – o grito, o gesto arrebatado, o surto emocional – a paixão expressa já é a paixão passada, arrefecida, recordada, medida, distanciada.”
Na sua segunda digressão, Benedito Nunes discute de modo geral a obra de Clarice Lispector. A grande característica da obra de Clarice, para Nunes, é o fato de que, à semelhança de autores como Proust, Joyce e Virgínia Woolf, a ação narrativa é interna, focada na expressão subjetiva dos personagens. Essa expressão, presa a um fio narrativo tênue, chega a desaparecer nos últimos livros (Água Viva, Um sopro de vida).
Na obra de Clarice, a cólera, a ira, a raiva, o ódio, nojo, náusea, amor e alegria são sentimentos recorrentes que configuram um aspecto de seu ‘pathos’ literário, que motivam a narração ou que são momentos culminantes desta. Outra característica desse ‘pathos’ é a ‘hybris’ do desejo, a violência, a insaciabilidade, o descomedimento transgressora de ordens estabelecidas. “Esse desejo transgressor, que reflui interiormente como angústia da liberdade, mal se separa de uma inquietude espiritual, moral e intelectual, afã de expressão e realização individuais... Por outro lado, essa inquietude acompanha a introspecção em que vivem mergulhadas as personagens femininas, subjugando-as a uma constante acuidade reflexiva sobre os seus próprios desejos e intenções, o que as torna constantes espectadoras de si mesmas.” É possível ver que as personagens de Clarice constituem personagens fraturadas, divididas, surpreendidas por existirem na ausência de qualquer certeza de identidade.
A paixão segundo G.H. é uma história do feitiço da náusea sobre o corpo, alienando a alma deste num momento de contemplação extática em que o não-humano silencioso e cru leva a narrativa à beira do inenarrável. Para quem não conhece o enredo, trata-se de um incidente doméstico trivial em que a narradora/personagem, moradora de uma cobertura, num dia qualquer de sua vida plácida entra no quarto desocupado da empregada e esmaga uma barata que, segundo ela, lhe observava, da porta do guarda-roupa vazio. Num momento de estranheza, fascinada pelo corpo morto que, concomitantemente, a repugna e a atrai, num sacrifício de sua identidade humana, egóica, num ritual de provação místico arcaico, a narradora/personagem leva aquele corpo morto à sua boca, comunga o não-humana, participa do numinoso.
Benedito Nunes mostra que o relato do transe pela narradora/personagem mesclado à compreensão de si mesma, construída durante a interpretação de sua experiência, é uma transposição da via mística. Misticismo em seu stricto sensu, como “...o caminho individual de acesso, por meio de uma experiência prática de desprendimento da individualidade, ao todo, ao cerne do real ou à divindade. Acesso que é tanto conhecimento extraintelectual, contemplativo, quanto união e liberação”. E mais à frente, Nunes completa: “Repulsiva e atraente, ominosa e numinosa, a barata assume as proporções de uma teofania; é um numem, uma forma primitiva, interdita, do sagrado. “Eu fizera o ato proibido de tocar no que é imundo””.
O enredo, então, constitui a trajetória de descida a um subsolo ancestral, sem que, no entanto, a obra possa ser incluída dentro do grupo de obras místicas de finalidades anagógicas com as quais, por outro lado, não deixar de ter parentesco. Noutro aspecto, a experiência mística vivida pela narradora/personagem configura-se uma experiência pagã, primitiva, orgiástica (“Eu entrara na orgia do Sabah. Agora sei o que se faz no escuro das montanhas em noite de orgia. Eu sei com horror; gozam-se as coisas. Flui-se a coisa de que são feitas as coisas.”). o Eros reprimido então ressurge.
É um ritual, um ritual de provação. No ritual pagão dionisíaco, a individualidade é sacrificada. Mas na obra, a vida prova a narradora/personagem e aquela também é provada por esta. “Provação: significa que a vida está me provando. Mas provação: significa também que eu estou provando. E provar pode se transformar numa sede cada vez mais insaciável.” Esta vida sendo provada pela narradora/personagem é tratada como 'o Deus' – não Deus – mas o Deus imanente à vida, mais tarde tratado em outras obras da escritora pelo termo 'it'. Nessa vivência mística, Eros em lugar de subir às alturas, atraído pela beleza, como pensado por Platão, dessublima-se no aquém da consciência.
Conforme afirmado no início, Nunes mostra que, em A paixão segundo G. H., a história narrada e a própria estruturação do romance estão fortemente imbricadas. “A desindividualização da própria narradora, chega ao limite da criação romanesca; a sua falta de identidade põe em suspenso a identidade mesma da narrativa”. Isso se dá porque eros põe em movimento uma escrita apaixonada, uma escrita corporal direcionada ao corpo do interlocutor. A leitura a ser feita não cabe no racional, precisa descer ao corpo pra ser compreendida, para que a experiência seja revivida. Uma leitura feita com o corpo, não apenas com a mente. “E aí encontramos uma outra espécie de paixão que se converte na primeira – o pathos mesmo da escrita, surgindo, velado, do inconsciente, e que tende a exprimir o inexprimível. Pois que a trajetória mística de G. H. passa pela via crucis da linguagem, pelo gozoso padecimento de ter que buscar a forma para expressar o neutro, o cru, o não humano, a existência, o ser.”
Clarice mesmo o mostra: “A linguagem é o meu esforço humano. Por destino, tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto – o indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção é que obtenho o que ela não conseguiu.” Assim se configura em Clarice a paixão da escrita, uma sujeição ao sagrado, ao amor que atravessa a vida.

no silêncio o prazer da leitura




sábado, 9 de janeiro de 2010

Caderno de Resenhas

POESIA: A PAIXÃO DA LINGUAGEM
Paulo Leminski

In: NOVAES, A.(org). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

A participação de Leminski no seminário que deu origem ao livro é bastante característica da pessoa do poeta, de sua forma de ser e do momento histórico em que viveu. O poeta mesmo afirma que não é professor universitário, que não é teórico de literatura, que está ali como alguém movido pela paixão da poesia. É uma fala direta, próxima do coloquial, livre e simples como o espírito dos autores da década de setenta do século vinte.
Leminski se retrata como “uma espécie de pensador selvagem”, assistemático, como é o pensamento criador. “O pensamento que alimenta e abastece uma experiência criativa tem que ser pensamento selvagem, não pode ser canalizado por programas, por roteiro, tem que ser mais ou menos nos caminhos da paixão.”
Para ele, o poeta é um ser com problemas na programação genética, é o torto. Daí sua consciência da linguagem porque só o torto tem como perceber conscientemente o que é o direito. O poeta tem a marca de Caim, portanto. E esse ser, marcado de nascença, estabelece sua existência no território da paixão pela linguagem, a poesia, sua razão de ser, é a manifestação dessa paixão.
Falando especificamente da poesia, Leminski argumenta que a atividade poética focaliza-se na materialidade da palavra, na “palavra enquanto coisa do mundo”. A relação apaixonada do poeta com a linguagem se daria, então, dentro de um padrão sadomasoquista, em que, inicialmente, o poeta sofre a violência da linguagem e, depois, inverte o jogo, tornando-se um algoz da linguagem.
Numa digressão, Leminski aborda a mudança semântica da palavra paixão que, de início, teve um sentido passivo, no qual se sofre a paixão, e passou a um sentido ativo, no qual a paixão te move a algo. Ele lembra, ainda, que no indo-europeu existia uma palavra com acepção de ‘ser objeto de uma ação’, mas que, diferente da conotação negativa (sentido de dor) do nosso verbo sofrer, possuía um sentido neutro, sem conotação de dor. Entretanto, essa acepção não chegou ao nosso idioma. Então, seria nesse sentido que o poeta ‘sofre’ a linguagem.
Além de sofrer a linguagem, o poeta é limitado também pela forma, cuja natureza social lhe é anterior e cuja existência lhe ultrapassa. Leminski retoma o caso do soneto, forma poética por excelência do século XIX brasileiro, cujo maior expoente foi Bilac. Havia essa forma, Bilac dela fez uso, mas ele se foi e o soneto é forma poética usada até hoje. “Existe uma, como é que eu vou dizer? Uma convenção social em relação às formas da arte. Todo artista é limitado já a priori por uma língua e por um estoque de formas.” A liberdade plena do poeta é, portanto, uma ilusão. Há apenas espaços mínimos para a criação que, justamente em função dessa exigüidade, adquire grande cintilância. O poeta está, então, preso ao grupo, à tribo, de modo que não há como ser muito maior que ele. Interrogado sobre essa relação entre o poeta e o grupo social durante o debate que seguiu à sua fala, Leminski mostra que, nesses caso, o poeta “...seria apenas o melhor que sua tribo pôde produzir naquele momento, mesmo quando parecesse que está sendo maior do que a sua tribo. Um Guimarães Rosa, um João Cabral são possibilidades do povo e da cultura brasileira, não caíram do céu nem foram trazidos por um disco voador.” Ao contrário do que se possa pensar, esse caráter social das formas é entendido por Leminski como um grande problema contra o qual o poeta se coloca.
A atitude experimental e a opção pela invenção ou pela recriação constituem a inversão desse quadro. Nesse momento, o poeta assume uma relação sádica em relação à linguagem. Mas mesmo aqui, alguns aspectos precisam ser observados. Segundo Leminski, a vanguarda poética dos anos 50 e 60 no Brasil teve sua importância, pois, depois dela, tudo se tornou lícito. Porém “Hoje, alguém fazer um poema concreto, com cara de poema concreto, é coisa previsível. Na realidade, a grande força de um poema concreto, em 1956, era o fato de que ele era surpresa, não estava previsto na programação.” Junto a isso, outro aspecto discutível para Leminski é ter como programa o rompimento de códigos, o romper por romper. Ele lembra que os momentos de intensa inovação são sucedidos por momentos de estabilização das novas formas.
Leminski pergunta se seria possível uma relação de amor entre o poeta e a língua sem a conotação sadomasoquista. Para responder, o próprio poeta lembra que o amor como o conhecemos é algo muito novo na cultura ocidental, uma herança da aristocracia provençal, uma popularização do jogo aristocrático conhecido como amor cortês. Se considerarmos a antiguidade, tal sentimento era concebido como uma maldição, uma espécie de feitiço, daí o uso do termo encantado (bewitched em inglês) pra dizer de um estado de espírito apaixonado, numa relação desse sentimento com magia, bruxaria... A poesia é a cúmplice deste estado de espírito desde sempre, presente nas cantigas de amigo de ontem e na canção popular de hoje. No próprio fazer poético, o amor se coloca na relação entre sons e sentimentos. “A coisa do amor entre os sons e os sentidos, esse ato de amor se passaria na mente do poeta na hora em que ele cria, naquele lugar os sons e os sentimentos praticam um ato de amor. Poesia é um ato de amor, intrinsecamente, substancialmente.” Essa relação do poeta com a linguagem/palavra é, n verdade, uma relação amorosa bastante erótica: “Ser poeta é ter nascido com um erro de programação genética que faz com que, em lugar de você usar as palavras pra apresentar o sentido delas, você se compraz em ficar mostrando como elas são bonitas, tem um rabinho gostoso, são um tesão de palavra. O poeta é aquele que deglute a palavra como objeto sexual mesmo, como objeto erótico. Pra mim, a poesia é a erotização da linguagem, o princípio de prazer na linguagem”.
Na produção poética contemporânea (considerando que o seminário base do livro se deu em 1987), Leminski percebe uma tentativa de recuperação do rigor poético, talvez numa linha cabralina. O próprio poeta se declara “farto da incompetência técnica dos anos 1970”. Entretanto, não se trata de um retorno ao rigor acadêmico antigo, mas algo novo que surge após muitas experimentações, muitos rompimentos. Um poeta que se coloca como artesão, que não se preocupa com rompimentos, nem com vanguardismos vãos, mas que constrói seu texto, mesmo que dentro de um modelo estabelecido, mas com um alto grau de trabalho, perfeição, riqueza e acabamento. E esse fazer contemporâneo, segundo o próprio Leminski, se insere no tempo circular do pós-moderno, o tempo do eterno retorno. Nesse tempo circular, não há lugar pra paixão, posto que ela é um projetar, talvez só para a saudade da paixão.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um poema de Nauro Machado

O Parto

Meu corpo está completo, o homem - não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A mulher que vomitou Deus


Helen Martins, uma sul-africana que encontra sua forma de expressão por meio da escultura. Helen Elizabeth Martins, foi artista outsider, produziu uma arte não convencional. Nasceu em 1897 e morreu em 1976. Nascida e criada em uma pequena comunidade branca da África do Sul, no meio do deserto, Helenfoi uma mulher de costumes conservadores e culto obrigatório da fé protestante. Um dia, ao descobrir nunca ter amado o bom homem com quem foi casada, abandona a igreja dos domingos porque deixou de crer e, ao ficar viúva, encontra em suas mãos de escultora o caminho de sua liberdade pessoal e a felicidade de criar sua "Meca".
No vilarejo onde vivia, Helen torna-se motivo da incompreensão, do desprezo e da hostilidade dos vizinhos. Vivia suja, maltrapilha e, frequentemente, com as mãos dilaceradas em razão do cimento e do vidro moído, materiais utilizados por ela pra fazer suas esculturas. Ela era a louca do lugar, o medo das crianças e o fantasma dos adultos. Sua existência incomodava. A incompreensão levou-a ao suicídio. Para morrer, Helen ingeriu o mesmo material de suas esculturas.
Helen viveu um ritual de exorcismo, purificando-se do cristianismo que a intoxicara, invadira-a e a silenciara por toda a vida. Ela vomitou Deus. As corujas, símbolo do conhecimento, parecem, às vezes, crucificadas. Os olhos das esculturas demonstram terror. O terror que ela vivera em vida, sempre à sombra da cruz e do pecado.
Athol Fugard, um dos dramaturgos mais importantes da língua inglesa na atualidade e inédito no Brasil, conta a história dessa mulher que vomitou Deus na peça O CAMINHO PARA MECA, encenada no Brasil com brilhantismo por Cleyde Yáconis.




A mulher que vomitou Deus