quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

FC e a antropofagia

          
          (texto de  Bráulio Tavares)
       Existe uma discussão permanente, nos círculos brasileiros de ficção científica, sobre a necessidade (ou a mera possibilidade) de um FC que funcione, entre nós, como o movimento modernista de 1922 funcionou em relação à poesia, a pintura, etc. A discussão vem sendo travada nestes termos pelo menos desde 1988, quando Ivan Carlos Regina publicou o “Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira” (veja o texto completo em: http://bit.ly/sosAWC ). A esta altura, todo mundo entende qual era mais ou menos a proposta dos “antropófagos” de 1922, tal como a colocou Oswald de Andrade: devorar a cultura européia como os índios caetés devoraram o Bispo Sardinha. Usá-la não como modelo, mas como combustível, para pôr em movimento uma cultura repleta de elementos nossos.
           O manifesto de ICR critica os autores brasileiros que preferem imitar o modelo norte-americano de FC, repetir os mesmos temas, os mesmos clichês, a mesma linguagem – porque, vamos e venhamos, é muito mais fácil fazer “fanfic” do que literatura. (A “fanfic”, a ficção produzida por fãs, é quando os leitores de Harry Potter, Star Trek, etc. escrevem suas próprias histórias utilizando esses personagens e contextos. Não tem propósito criativo estrutural; apenas o prazer de produzir variantes das obras originais.)
           Diz o manifesto: “(...) Precisamos deglutir urgentemente, após o Bispo Sardinha, a pistola de raios laser, o cientista maluco, o alienígena bonzinho, o herói invencível, a dobra espacial, o alienígena mauzinho, a mocinha com pernas perfeitas e cérebro de noz, o disco voador, que estão tão distantes da realidade brasileira quanto a mais longínqua das estrelas. / A ficção científica brasileira não existe. / A cópia do modelo estrangeiro cria crianças de olhos arregalados, velhinhos tarados por livros, escritores sem leitores, homens neuróticos, literaturas escapistas, absurdos livros que se resumem a capas e pobreza mental, colônias intelectuais, que procuram, num grotesco imitar, recriar o modus vivendi dos países tecnologicamente desenvolvidos. / A ficção científica nacional não pode vir a reboque do resto do mundo. Ou atingimos sua qualidade ou desaparecemos. (...)”.
          Este é o lado crítico do manifesto, e acho que permanece tão atual quanto em 1988. Deglutir, devorar, antropofagizar, implica sempre em destruir, “quebrar” aquele material em seus elementos constitutivos, usá-lo como eventual banco de dados para produzir uma literatura que não venha do impulso de imitar, mas de dizer verdades pessoais. Literatura é a verdade pessoal de cada um, e para essa verdade emergir precisa desligar esse piloto-automático que gera a fanfic e a imitação.
 
Pesacdo em: http://mundofantasmo.blogspot.com/2011/12/2747-fc-e-antropofagia-23122011.html

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Leituras nada natalinas

              Nesse descanso de Natal aproveitei para derrubar dois volumes da minha estante. Derrubar, aqui, num sentido semelhante a touradas, onde se deve pegar o boi pelo chifre e mostrar quem é quem. Bom, eu tentei.
      O primeiro deles foi "Toda Terça" da Carola Saavedra, chilena radicada no Brasil e já integrada ao grupo da novíssima prosa brasileira, seja lá o que isso signifique e abranja.
    Gostei da narrativa que fluiu bem, numa leitura prazerosa. O livro me trouxe contextos antigos, me fez relembrar episódios dos tempos de faculdade, quando participava do debate acadêmico e do delírio que a ele precedia ou sucedia. Em termos estilísticos, é uma narrativa que eu enquadraria no gênero feminino (outro campo bastante difuso e discutível) e tbm dentro daquilo q se chama prosa pós-moderna/moderna (outra querela acadêmica???) com seus períodos sem pontuação ou com pontuação apenas suscitada pela leitura (próxima do estilo Saramago). A narrativa é construída com duas histórias q correm em separado e que se unem ao final. É um ótimo livro para um dia de chuva, friozinho, pulôver leve e meias nos pés e um caputtino forte nas mãos.
          O segundo livro que carreguei comigo, na verdade, foi uma escolha proposital para um reenfrentamento. Trata-se de "Poemas Malditos, Gozosos e Devotos" da Hilda Hilst. Na primeria vez que li o livro, há uns dois anos, ele me incomodou bastante. São poemas, interpelações da autora a Deus. Mas Deus aqui só pode ser acessado via carne, o único mundo, segundo a poetisa, que ela conhece e através do qual pode se dirigir a Ele. Não são interpelações contemplativas, mas conflituosas e, às vezes, bastante eróticas. Há um Deus dor e vazio q depende da carne humana para existir, existência divina que sangra a existência humana. Um mistério de dor e amor. Só lendo.
       São ao todo vinte e um poemas que li e reli neste fim-de-semana, com a boca, às vezes, seca, outras vezes, salivante. Só lendo.

É neste mundo que te quero sentir
É o único que sei.
O que me resta.
Dizer que vou te conhecer a fundo
Sem as bênçãos da carne, no depois,
Me parece a mim magra promessa.
Sentires da alma? Sim. Podem ser prodigiosos.
Mas tu sabes da delícia da carne.
Dos encaixes que inventaste.
De toques.
Do formoso das hastes.
Das corolas.
Vês como fico pequena e tão pouco inventiva?
Haste. Corola.
São palavras róseas.
Mas sangram.
Se feitas de carne.
Dirás que o humano desejo
Não te percebe as fomes.
Sim, meu Senhor,
Te percebo.
Mas deixa-me amar a ti, neste texto
Com os enlevos
De uma mulher que só sabe o homem
            xxxxxxxxxxx 

Não te machuque a minha ausência, meu Deus,
Quando eu não mais estiver na Terra
Onde agora canto amor e heresia.
Outros hão de ferir e amar
Teu coração e corpo. Tuas bifrontes
Valias, mandarim e ovelha, soberba e timidez

Não temas.
Meus pares e outros homens
Te farão viver destas duas voragens:
Matança e amanhecer, sangue e poesia.

Chora por mim. Pela poeira que fui
Serei, e sou agora. Pelo esquecimento
Que virá de ti e dos amigos.
Pelas palavras que te deram vida
E hoje me dão morte. Punhal, cegueira

Sorri, meu Deus, por mim. De cedro
De mil abelhas tu és. Cavalo d'água
Rondando o ego. Sorri. Te amei sonâmbula
Esdrúxula, mas te amei inteira.
                   xxxxxxxxxxx
     Minha admiração por Hilda Hilst só se fez maior e maior se fez tb minha fome aguda a qual matemáticas abstratas não saciam porque Deus,
"Teu alimento é uma serva
Que bem te serve à mão cheia.
Se tu dormes ela escreve
Acordes que te nomeiam.

Abre teus olhos, meu Deus,
Come de mim a tua fome.

Abre a tua boca. E grita este nome meu."
                                              26/12/2011

domingo, 25 de dezembro de 2011

Troças drummondianas

PRIMEIRO AUTOMÓVEL
Qeu coisa-bicho
que estranheza preto-lustrosa
evém-vindo pelo barro afora?

É o automóvel de Chico Osório
é o anúncio da nova aurora
é o primeiro carro, o Ford primeiro
é a sentença do fim do cavalo
do fim da tropa, do fim da roda
do carro de boi.

Lá vem puxado por junta de bois.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pausa

           Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
           Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
           Com um ciclista tombado?
           Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
           E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
           E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois __ Dom Quixote ou Sancho? __ vive uma vida mais intensa e portanto mais verdadeira...
           E paira no ar eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
           Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
           E agora?
          Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
          "Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
         Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
          A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
         E daí?
         __ Mas o melhor __ pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança __, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

CONVERSA
Há sempre uma fazenda na conversa
bois pastando na sala de visitas
divisas disputadas, cercas a fazer
porcos a cevar
a bateção dos pastos
a pisadura da égua
de testa - e vejo o céu - testa estrelada

Há sem-pre
uma família na conversa.
A família é toda a história: primos
desde os primeiros degredados
filhos de Eva
até Quinquim Sô Lu Janjão Tatau
Nonô Tavinho Ziza Zito
e tios, tios-avós, de tão barbado-brancos
tão seculares, que são árvores.

Seus passos arrastam folhas. Ninhos
na moita do bigode. Aqui presentes
avós há muito falecidos. Mas falecem
deveras os avós?
Alguém deste clã é bobo de morrer?
A conversa o restaura e faz eterno.

Há sempre uma fazenda, uma família
entreliçadas na conversa:
a mula &  o muladeiro
o casamento, o cocho, a herança, o dote, a aguada
o poder, o brasão, o vasto isolamento
da terra, dos parentes sobre a terra.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

IRMÃO, IRMÃOS
Cada irmão é diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mísero caçula.

São seis ou são seiscentas
distâncias que se cruzam, se dilatam
no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.

Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,
o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?

São estranhos próximos, atentos
à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objetos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.

Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade se der irmão futuro, antigo e sempre?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

PAÍS DO AÇÚCAR
Começar pelo canudo,
pasar ao branco pastel
de nata, doçura em prata,
e terminar no pudim?

Pois sim.
E o que bóia na esmeralda
da compoteira:
molengos figos em calda,
e o que é cristal em laranja,
pêssego, cidra - vidrados?

A gula, faz tanto tempo,
cristalizada.


(Relembrando os doces  cristalizados do meu pai  e da minha tia.)

sábado, 26 de novembro de 2011

PQP, FDS Woody Allen, FDP foi quem me convenceu



Another Woman, minha cara no espelho, e a mão sangrando depois da porrada.
Manhattan e eu aprendendo a rir de mim mesma mais do q já faço, porque como diz Camus, o mundo é de um absurdo considerável. Realmente, O único remédio é rir.


Porque, conforme o físico de September, o universo é moralmente neutro e incrivelmente violento. Só o calor e o abraço de uma mulher para te livrarem da compreensão apocalíptica da Teoria das Cordas. Os quarks e os fótons estão cagando e andando para a humanidade. O universo é só uma convulsão momentânea de um cara surtado em descobrir-se.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

RAIZ
os pais primos-irmãos
avós dando-se as mãos
os mesmos bisavós
os mesmos trisavós
os mesmos tetravós
a mesma voz
o mesmo instinto, o mesmo
fero exigente amor
crucificante
crucificado
a mesma insolução
o mesmo não
explodindo em trovão
ou morrendo calado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Comunhão

       Há uns anjos boêmios que costumam frequentar esses antros noturnos que são os sonhos dos humanos. São esses que finalmente intercedem por ti. O resto é dedo-duro.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

The Jolly Boys

Banda jamaicana. Uma  achado da Ju.Posto aqui a versão de Rehab da Amy Winehouse:

 

http://www.youtube.com/watch?v=kqaadTlATqk 

Tem tb just a  Perfect Day:
http://www.youtube.com/watch?v=cnYBkEE05bA&feature=related

domingo, 13 de novembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

CHUPAR LARANJA
A laranja, prazer dourado.
A laranja, prazer redondo.
A laranja, prazer fechado.
A laranja, prazer de faca.

Ou o canivete. Cada golpe
anuncia: já se aproxima
o íntimo prazer da laranja,
que não se dá sem sacrifício.

A laranja não se espedace,
para mais intenso prazer.
A laranja fique redonda,
mesmo sem casca: esfera nívea.

Então corte rápido a lâmina
um dos polos; a mão aperte,
e a boca sorverá, sensual,
a líquida alma da laranja.

Quem foi que, anônimo, inventou
o prazer de chupar laranja
em forma global de mamucha?
Gerações antigas sorriem
neste mestrado de volúpia.
Essential Oils N - P

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O ovo inquieto

        Era uma vez um ovo. Já disse alguém, talvez tenha sido eu mesmo, que o ovo é a mais perfeita forma da Criação. Assim vivia ele, elipsoidal e único, sereno como se tivesse atingido o Nirvana ou essa ausência de si a que alguns fanáticos chamam estranhamente de meditação, e ainda por cima transcendental. Nada disso! Tão consciente ele era que, sendo ovo de galinheiro, tinha um receio pavoroso de ficar choco e virar uma dessas aves cacofônicas __ as únicas, em toda a natureza, que cantam sem música, pois até mesmo o pássaro-ferreiro, na sua estridência, tem uma bela harmonia metálica. Pensando nesse perfeito e inquieto ovo é que acabo de pedir uma omelete no restauarante. Talvez ele faça parte do conteúdo dela... Antes assim,, meu amigo, antes assim!

domingo, 6 de novembro de 2011

Curando um resfriado

          Esse foi um domingo de ficar de repouso, quietinha, curando-me de um resfriado forte causado pela mudança brusca d temperatura no decorrer da semana. Aproveitei então para derrubar a leitura do livro "A Peste" de Camus. Terminei lá pelas 19 horas e para encerrar este domingão resolvi cotejar o livro com a obra de Bergman,  O Sétimo Selo, q tb trata da peste e da morte. Duas obras, duas narrativas, dois tempos, mas uma mesma inquietação perpassam tanto o filme quanto o livro. O mesmo confronto com questões religiosas, morais e existenciais. Não foi de cortar os pulsos, pois o suícido é a saída menos honrosa para o homem q encara o absurdo da existência humana (tese de Camus em O Mito de Sísifo) e tb, ou principalmente,  porque o meu bom humor está hoje em um de seus dias d glória, naqueles em q nem eu escapo de minhas próprias piadas. Segue a dica para os visitantes deste blog. vale a pena o confronto das obras e das questões. Feridas são normais.  E o bom humor é fundamental.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Noel Rosa

Não Tem Tradução

Noel Rosa

O cinema falado é o grande culpado da transformação
Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez
Lá no morro, seu eu fizer uma falseta
A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar, dando pinote
Na gafieira dançar o Fox-Trote

Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I love you
E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny
Só pode ser conversa de telefone..

http://www.youtube.com/watch?v=6R31Y6811TA&feature=related
Noel Rosa Cantado por Johnny Alf e Chico Buarque... Linda interpretação

Ensaios sobre a cegueira



           A Rubedo é uma revista de psicologia junguiana com a qual tomei contato no simpósio do final de semana. Deixo aqui o link para um artigo de Carlos Bernardi sobre o livro e o filme Ensaio sobre a Cegueira, com análises pautadas em Jung e Hillman (esse último é o proximo junguiano a morar na minha estante rsrsrs). Por sua vez, Carlos Bernardi, q esteve aqui no congresso, faz ótimas relações entre literatura e psicologia junguiana. Sua dissertação de mestrado aborda Fernando Pessoa. Para mim foi um prato cheio.
http://www.rubedo.psc.br/08outrub/cegueira.html

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um surto de crônicas

             
         Sábado é dia do Café Literário em uma das minhas escolas. Os meninos estão empolgados. Eu estou trabalhando como eles, neste segundo semestre, o gênero crônica. Sempre às sextas-feiras, que é a nossa "sexta literária", um dia voltado só para literatura. É o dia da semana de que eles e eu mais gostamos.               
       Para cumprir o prazo do evento precisei continuar, hoje, a  atividade de sexta passada.
       Já naquele dia o surto acima anunciado tinha dado seus primeiros sinais de vida através de um dos alunos que se dirigiu à minha mesa com um papel na mão, enquanto a classe fazia a leitura silenciosa do texto do dia. Ele me disse: "Professora, fiz uma crônica". Eis o texto:

              "Silêncio
           Na sala de aula vejo pessoas lendo num silêncio angustiante. Pessoas que não ligam para o que estão lendo. A professora olhando atentamente cada um na sala e se sentindo feliz pelo silêncio. Então quebrando o silêncio ela diz:
             __Vamos começar?"
       
        Eu li e ri.
           Dei mais uns minutos para a leitura silenciosa, depois li o texto com eles e discutimos vocabulário, pois se tratava de um texto mais técnico sobre o assunto.
         Então, o mesmo aluno volta à minha mesa: "Professora, fiz outra crônica."
         O texto segue abaixo:

                           "Pessoas diferentes
          Na minha sala de aula há pessoas muito diferentes. Há pessoas que fazem o melhor que podem e nunca estão satisfeitas. Há pessoas que não se interessam por nada. Há pessoas que acham que sabem de tudo. Há pessoas despreocupadas. E há pessoas como eu: meio-termo."

         Eu li novamente e respondi: Não faz assim q a professora apaixona. Ele e a classe riram.
         Hoje ele me trouxe mais textos de casa e apareceram mais alunos fazendo suas "crônicas". De repente, ao fim do dia, eu tinha a produção de duas turmas nas mãos para montarmos livros para o Café Literário. São textos singelos, simples, mas possuem a frescura da alma adolescente. Uma frescura, às vezes, meio dada à galhofa, mas repleta de vida. Eu voltei feliz mesmo com o frio absurdo e a chuvinha impertinente.
       Foi um surto de crônicas q eu espero se torne crônico, pelo  menos para alguns deles. E aí carregarão nos olhos aquele mesmo mistério que encontramos nos autores de que gostamos, com os quais nos identificamos.
         Têm sido muito doces os frutos que tenho colhido. Agradeço à vida os caminhos tortos q acabaram por me trazer ao dia de hoje. Boa noite, q estou cansada.

É o jongo do cateretê: adriana e waly na pista de dança.


http://www.youtube.com/watch?v=AKzMAKGUqG8
Quando criança
Me assoprou no ouvido um motorista
Que os bons não se curvam

E, eu,
Confuso
Aqui nesta pista de dança
Perco o tino
Espio a vertigem
Do chão que gira
Tal qual
Parafuso
E o tapete tira debaixo dos meus pés

Piro
Nesta pista de dança
Curva que rodopia
Sinto que perco um pino
Não sei localizar se na cabeça
Esqueço a meta da reta
E fico firme no leme
Que a reta é torta

Rei
Rainha
Bispo
Cavalo
Torre
Peão
Sarro de vez o alvo
Tiro um fino com o destino
E me movimento
Ao acaso do azar ou da sorte
No tabuleiro de xadrez

Extasiado
Piso
Hipnotizo
Mimetizo a dança das estrelas
Aqui neste point
A espiral de fumaça me deixa louco
E a toalha felpuda suja me enxuga o suor do rosto
Aqui nesta rave
Narro a rapsódia de uma tribo misteriosa
Imito o rodopio de pião bambo

Ê, Ê, Ê tumbalelê
É o jongo do cateretê
É o samba
É o mambo
É o tangolomango
É o baste estaca
É o jungle
É o tecno
É o etno

Redemoinho de ilusão em ilusão
Como a lua tonta, suada e fria
Que do crescente ao minguante varia
E inicia e finda
E finda e inicia e vice-versa

Ê, Ê, Ê tumbalelê
Nesta pista de dança

Pista de símios
Pista de clowns
Pista de covers
Pista de clones
Pista de sirenes
Pista de sereias
Pista de insones

Ê, Ê, Ê tumbalelê
É o jongo do cateretê
É o samba
É o mambo
É o tangolomango
É o baste estaca
É o jungle
É o tecno
É o etno
Ah, ah, ah, ah

Eu piro
Nesta pista de dança
Eu piso
Nesta pista de dança
Eu giro
Nesta pista de dança
Nesta pista de dança
Ê, Ê, Ê tumbalelê
Nesta pista de dança

sábado, 29 de outubro de 2011

O corpo cansado e a alma em brasa

  Chegando do simpósio junguiano, morta de cansaço, mas com a alma cheia de iluminações e dúvidas. Com a alma viva, portanto. Me senti muito em casa ouvindo falar de Jung. Uma cervejinha gelada e o mundo escorre pelas minhas mãos, resto eu comigo mesma, mas leve porque sei q sou gente e que minhas idiossincrasias me tornam humana. Não tenho de corresponder a ideal de ninguém, apenas ser leal a mim mesma.

http://www.youtube.com/watch?v=fcwDcfomjVI&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=QzG66TqEKtc

domingo, 23 de outubro de 2011

Nouvelle Chanson Française

Coralie Clément, Indecise:
http://www.youtube.com/watch?v=AHx9yoGYu3s

Memórias de menina cantadas no Boitempo

BRAÚNA
Baraúna
braúna
o pau canta no machado
o pau canta independente de machado
o nome canta
guaraúna
ibiraúna
muiraúna
parovaúna

De que são feitas minhas casas
minhas terras
meus cavalos?
De braúna
em meu catre de braúna o descanso de braúna
Meu passado
meus ossos de família
minha forma de ser
é de braúna

Braúna
para não acabar em tempo algum
para resistir
ficar na morte bem guardado
entre paredes d braúna eternamente

E disfarçar, braúna,
o que não é madeira, e chora.

Cinema, a outra paixão

          Com uma chuva fina e persistente e um friozinho, não havia melhor justificativa para um vinho e um filme. Achei na locadora aqui perto de casa "Cão Danado" do Kurosawa. Então o livro me levou ao filme e vice-versa. E deu para sentir a atmosfera opressiva de um calor tropical na Tóquio do aprés-guerre que só aumentava o dilema ético e histórico do personagem principal, um policial da homicídios de Tóquio q tem a sua arma roubada e com ela são praticados assassinatos e roubos. A miséria, a pobreza e a violência da Tóquio pós segunda guerra são apresentadas com uma honestidade e uma estética  perfeitas.Toshiro Mifune está soberbo em sua atuação e lindo. Ele é também um cão danado. A propósito, o delegado da Roubos de Tóquio, q o auxilia na recuperação da arma, dá um show de inteligência e perspicácia. Dele, duas frases me marcaram: "Às vezes, o mais importante não é saber a resposta, mas saber como perguntar" (com calma e inteligência ele conseguia saber sempre o q queria). A outra , a melhor das duas é: "Um cachorro louco sempre anda em linha reta".
            Para contrabalançar, assisti ao leve e hilário "Alta Fidelidade" com John Cusack. Ambientada em Chicago, a narrativa tem como cenário o circuito musical da cidade. O personagem principal é dono de uma loja de discos raros e vive às voltas com seus relacionamentos fracassados. Dá para fechar a noite sem aquela aura existencialista noir, mas com leveza e um riso na cara. É o q somos, com nossos erros e nossos acertos que, na verdade, acabam morrendo numa letra de música. O trailer para quem quiser ver:
           

sábado, 22 de outubro de 2011

Literatura japonesa

        Com esse post começo a pôr em dia minha dívida com a literatura japonesa. Sei que esparsamente tenho publicado haicais ou pequenos poemas de Yosano Akiko, mas ainda assim estava devendo meu depoimento sobre essa paixão que ocupa uma pequena parte da minha estante. Hoje, agora pela manhã, terminei de ler o relato autobiográfico de Kurosawa, que adquiri depois de ler um comentário do José Castello d'O Globo. Encontrei nele muito do q havia visto em Sonhos e depois, pelo final do livro, ele afirma q o filme é realmente formado por coisas marcantes q viveu. O livro cobre o período da infância até a produção de Rashomon por volta de 1950.  A ausência dos anos posteriores foi uma decisão do próprio Kurosawa.
          O primeiro contato com a literatura japonesa se deu ainda no início da faculdade quando comprei o livro de tankas de Takuboku Ishikawa. Depois fui me dar conta da relevânica da poética japonesa, especificamente dos haicais, quando fui estudar a literatura brasileira da chamada geração marginal, do grupo em torno de Leminski.
     Tempos depois adquiri "Trilha Estreita ao Confim", coletânea de haicais do mestre Bashô. Em seguida, fui às narrativas de Kawabata(prêmio nobel de literatura de 1968), de Junichiro Tanizaki ("As Irmãs Makioka", calhamaço q traz um retrato fantástico da ocidentalização do Japão na primeira metade do século XX) e encontrei o doce e sutil "Crônicas da estação das chuvas" do desconhecido (em terras brasileiras, lógico!) Nagai Kafu.
         De poesia encontrei também o pequeno volume "Descabelados" com poemas da inovadora Yosano Akiko, poetisa da vanguarda japonesa, feminista e dona de uma voz erótica linda:
                 para castigar
         os homens por todos seus
                pecados herdei
        a pele transparente
        longos pêlos corvinos
            Ainda há mais na minha estante para ler (mais Tanizaki, Murakami, Kawabata, Akutagawa, Kenzaburo Oe...). Dispor de mais tempo...     
                 
Deitado, pensava nas coisas.
A mão descansando
do peso do livro. (Ishikawa)

aos do mundo profano
  floresce incógnita
    a castanheira
           (Bashô)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

une chanson française pour toi

Lindo!! Lindo!!


http://www.youtube.com/watch?v=wnj9f2-_TKo

Ma belle amie
Je sais que tu viens
Que tu viens pour dire
Malgré ton désir
Que tu es ma lover
Oui, je suis ta lover
Car quand il est neuf heures
Moi je dois partir
Je fais semblent de dormir
Pour pouvoir retrouver
Tes mots secrets
Tes mots d'amour
Sous l'oreiller

C'est ma chanson française pour toi
Les rimes hesitent mais pardonne-moi
Je n'ai pas ta classe, ni ta cadence
Pour dire des mots d'amour
Comme en France

Je suis ta lover
Oui, tu es ma lover
Car quand il est neuf heures
Toi tu dois partir
Tu fais semblent de dormir
Pour pouvoir retrouver
Mes mots secrets
Mes mots d'amour
Sous l'oreiller

C'est ma chanson française pour toi
Les rimes hesitent mais pardonne-moi
Je n'ai pas ta classe, ni ta cadence
Pour dire des mots d'amour
Comme en France

Mon amour
Mon amour
Je veux que tu viennes toujours
Mon amour
Mon amour
Ton poème sous l'abatjour
Mon amour
Mon amour
Mon coeur qui bat comme un tambour
Mon amour
Mon amour
Si doux comme un petit-four
Mon amour
Mon amour
On se trouve dans en carrefour

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A força das coisas

          Hoje terminei a leitura do terceiro livro de Simone de Beauvoir da leva q adquiri recentemente. O volume de memórias retrata os anos posteriores à segunda guerra, cobrindo a ascenção de Charles de Gaulle na França, as independências das colônias africanas, a guerra da  Argélia e a chegada de Jânio Quadros e de Fidel Castro ao poder aqui na América. Dentre as inúmeras viagens narradas, está a visita dela e de Sartre ao Brasil, siceroneados por Jorge Amado e Zélia Gattai. Foi interessante ver o Brasil retratado assim por olhos estrangeiros, acostumados a conhecer o mundo sob as lentes marxistas e existencialistas. E por incrível q pareça nem esses olhos conseguiram ficar imunes e explicar o candomblé da Bahia!
        Mais uma vez, dentro dessas narrativas de memória, o que mais me marcou no texto de Simone de BEauvoir foram seu apego à realidade e a busca constante de ser sempre fiel a si mesma. Fidelidade que não quer dizer egoísmo ou narcisismo, mas uma interrogação constante sobre estar sendo, mesmo naqueles momentos em que o corpo se entregava ao calor tropical de Belém e caía desfalecido, ou quando os olhos se inchavam com a luz de Leningrado. Isto também fazia parte de estar sendo. Não uma neurose que sempre se pergunta motivada por possíveis culpas, mas um confiar absoluto em si, consciente das responsabilidades de existir, dos prazeres a que se pode entregar e das lutas q se tem q travar. Mais uma vez deu o que pensar. Que bom!

domingo, 16 de outubro de 2011

+ adriana calcanhoto

Teu Nome Mais Secreto
Adriana Calcanhotto

Só eu sei teu nome mais secreto
Só eu penetro em tua noite escura
Cavo e extraio estrelas nuas
De tuas constelações cruas

Abre-te Sésamo! - brado ladrão de Bagdá

Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada

http://www.youtube.com/watch?v=VQ5ZxhXOWXY

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

PORTA DA RUA
Vive aberta a porta da casa
ninguém entra para furtar.
Por que se fecharia a casa?
Quem que se lembra de furtar?

Pois se há vida na casa, a porta
há de estar, como a vida, aberta.
Só se fecha mesmo esta porta
para quedar, ao sonho, aberta.

domingo, 9 de outubro de 2011

1984 - Big Brother is watching you

‎1984, para quem acha q Big Brother é apenas um programa de televisão inventado por americanos.
1984, para quem acha que o fascismo morreu com Hitler.
1984, para todos aqueles que pensam q a comunicação de massa não produz e reproduz sistemas políticos.
1984, para quem acha que science fiction nada tem a ver com a realidade.
Baseado na obra de George Orwell.

http://www.youtube.com/watch?v=Sdc0RHeY87s

                    
“1984 – Uma análise sobre o controle da informação no filme e livro” . Veja em: http://comunidade-geek.blogspot.com/2011/07/1984.html

Pescaria

si fuera hombre usaría
la navaja de mi abuelo para afeitarme -
rozaría lentamente el hueco del mentón,
trazaría los ángulos del rostro con precisión de esteta.
Ha de ser un magnífico ejercicio de conciencia y de pulso
mirarse cada día al espejo,
navaja en mano
                                          Teresa Arijón

.......................................................................

          río ipoh

 (      )
no entramos dos veces en el mismo río
no nacemos dos veces bajo la misma forma
no conocemos
nada en verdad. el río se va
pero antes nos deja:
la ilusión de haber leído
en el impulso del agua, una palabra
suya

(o
nuestra).

(    )
río de los misterios, río soberano
como un cielo
caído, devoras la tierra
en advertencia: es inútil aferrarse,
el mundo no te pertenece.
pero recibis en tu lecho las flores
con el candor de una niña, y las llevás
en tu cabellera
como una amazona.

( )
en sus aguas vi bañarse a las mariposas
y a las libélulas, vi pasar los huesos
la madera, la arcilla, escuché,
alta, la voz de mis sueños.
(temo que todo desaparezca.)

pero:
cuando me vaya, se quedará el río
                      (Bárbara Belloc) – trechos


Pescados em: http://caquiscaidosblog.wordpress.com/

Leituras

      Li nos últimos 10 dias:
     
                 e

        Li e fui lida...

 Não podia deixar de postar essa foto dela, com um sorriso de plenitude:
                 

sábado, 8 de outubro de 2011

Paris je t'aime

   I will live at   Paris. I promise. Eu morrerei  em Paris. Minha alma esquartejada pelos quatro cantos de Paris. Paris je t'aime!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cânticos de Cecília

IX

Os teus ouvidos estão enganados.
E os teus olhos.
E as tuas mãos.
E a tua boca anda mentindo
Enganda pelos teus sentidos.
Faze silêncio no teu corpo.
E escuta-te.
Há uma verdade silenciosa dentro de ti.
A verdade sem palavras.
Que procuras inultimente,
Há tanto tempo,
pelo teu corpo, que enlouqueceu.

O silêncio

      Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Fechando o domingo

        Encerro meu fds cinematográfico com a versão produzida pela BBC para Crime e Castigo. É uma overdose (são dois dvds), mas vale a pena porque a produção, embora para a televisão, com o intuito de popularizar o clássico, foi bem feita, com excelente roteiro e bastante fiel ao original. Não é uma megaprodução hollywodiana, cheia de efeitos especiais, porém não deixa de provocar o telespectador com o clima de tensão psicológica e com os questionamentos morais, marcos da obra escrita.
                             

+ sci fiction

    
             Dois filmes: uma mesma epopéia - o conflito humano de se deparar consigo mesmo. São  duas produções, a soviética de 1972 e a americana de 2002,  ambas baseadas no texto de Stanislaw Len. A narrativa vai muito além de ser uma simples história de aventura espacial. Solaris, o planeta em estudo, parece uma metáfora do inconsciente humano, tanto q é caracterizado por ser um grande oceano. Sua influência sobre as tripulaçoes terráqueas que vão estudá-lo constitui-se em projeções muito reais de conflitos afetivos reprimidos. O personagem principal, o psícólogo Kris, enviado da Terra para 'salvar' o q resta da tripulação reencontra, na nave, sua mulher vítma de suicídio, que lhe aparece após uma noite de sono. Ele carrega consigo a culpa pelo ato extremo de Rheya num momento de crise conjugal.
         A versão americana traz o galã George Clooney no papel principal e tem a direção de Steven Soderbergh.
                     
         A obra de Soderbergh é bastante fiel à versão original russa de Andrei Tarkovski. A obra foi uma resposta cinematográfica, em tempos de Guerra Fria, ao filme 2001: uma Odisséia no Espaço. Porém a produção russa fala muito mais alto ao q temos de mais humano: medos, culpas e desejos.


           
 
Abaixo o trailer soviético e o americano:
http://www.youtube.com/watch?v=1Tob56MebI8
 
http://www.youtube.com/watch?v=ZYTmdsTEiJg

Crônica do José Castello

Simone de Beauvoir, a escrava
           Encontro, em algumas anotações que fiz para uma conferência sobre Simone de Beauvoir _ realizada em 2009 na Maison de France, no Rio _ uma frase de Simone que continua a me espantar. Diz ela: "Eu sei que não podemos jamais nos conhecer, mas apenas nos narrar". É todo um conceito clássico de "ficção" que desaba. A ficção não se passa só nos livros, não é matéria exclusiva dos escritores, ou da literatura. Ao contrário: é condição fundamental do existir.
            Avanço nas anotações sobre Simone de Beauvoir: "Sou em mesma a matéria de meus livros", ela diz, sem qualquer ilusão a respeito do que os psicólogos chamam de "criatividade". Sim: o escritor cria, mas é sempre a partir de si. Cria, mas com os braços amarrados. Tem a boca amordaçada. Escreve a partir de um vazio que encontra em si mesmo, como ouvi, há poucos dias, em uma palestra da Semana Literária do SESC, em Curitiba, de minha amiga Eliane Brum. Cada vez mais sábia, a Eliane.
          A ficção é (ou tenta ser) o preenchimento de uma falta que todos carregamos, diz Eliane. Em consequência, o outro com que o escritor se relaciona enquanto escreve não está fora dele, mas vem de seu interior. Ao escrever, o escritor se torna outro, e só assim, precariamente, preenche esse vazio que, a rigor, continua ali, apenas encoberto. A proliferação frenética e sempre insuficiente dos pseudônimos de Fernando Pessoa é prova suficiente disso.
          Contudo, não é "qualquer coisa" que podemos inventar para preencher o vazio que nos leva a escrever. Agora, em vez de Simone, ouço Jean-Paul Sartre: "O homem só pode escolher aquilo que o empurra". Ainda é algo que lhe vem desde fora _ algo que vem e o oprime, o atiça, o faz andar (escrever). O escritor escreve, ou é escrito? A escrita é, na verdade, o acolhimento e a tranhsformação de uma pressão. Sua incorporação, como energia, ao corpo físico. Seu devorar, seu mastigar (Oswald). Escritores devoram _ e depois regurgitam em seus textos _ os monstros que o empurram.
            É por isso que todo escritor está sempre aquém de seus projetos. Deseja , escreve isso; escreve aquilo. Busca uma coisa; encontra outra coisa. Nenhum escritor é dono de seu texto e é da aceitação dessa condição dolorosa que ele (se) escreve. Ou simplesmente se copia? A literatura, me lembra Simone, também se constrói, como um edifício, uma ponte, ou uma prótese. É ficção, ou literatura não é. Mas não como um projeto, ou uma carpintaria (essência), e sim como algo que se impõe (existência).
            Derrota dos escritores "cheios de si": quando feita para valer, a literatura é um ato, e não um manto, ou uma coroa. É, talvez, uma travessia. O escritor arrasta seu corpo através das palavras. Elas o marcam, elas o ferem. Todo plano (projeto) se torna, então, um fracasso: a travessia do deserto (do vazio de que nos fala Eliane) não tem garantia alguma. Se a literatura é um ato, mais que um ofício, isso acontece porque o escritor escreve, antes de tudo, com seu instinto. Não tem certeza de que faz a coisa certa. Não chega a realizar o que deseja realizar. Como um homem que deseja construir uma casa, mas cava um poço.
            Daí, nos recorda Simone de Beauvoir, a angústia ser inerente ao ato da escrita. O escritor, ao escrever, fracassa. Mas é ao fracassar que ele escreve! Escrever, portanto, é submeter-se. A quem? A si. Mas este "si" não é o Eu. Este "si" o que é então? Resume Simone de Beavoir: "Escrever é seguir o ditado de uma espécie de ditafone que temos dentro da cabeça".
            Destino trágico, mas feliz, do escritor: tornar-se um copista de si. Nenhuma essência, nenhum misticismo, nenhuma relação com a verdade, ou a sinceridade: simplesmente tomar posse, seja do que for (seja do que se é) e fazer algo isso. Deixar entrar esse outro que nos empurra. Eis o destino do escritor: submeter-se. O que, na trilha dos pensamentos de Simone, se parece com uma escravidão.
In: http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/posts/2011/09/17/simone-de-beauvoir-escrava-406227.asp

sábado, 24 de setembro de 2011

Dolls, mais uma vez.

                           
        Hoje eu parei novamente para ver o filme Dolls, último filme do diretor Takeshi Kitano. O filme é maravilhoso. Vai ser daqueles para sempre se assistir novamente. Mistura o drama das relações humanas contemporâneas, num Japão do século XX, com o tradiconal e popular teatro de bonecos, o Bunraku, do século XVII.
        Dolls é um filme de arte, com fotografias maravilhosas, um tratamento de cor que transforma, cada quadro,  cada cena, numa tela de arte. O roteiro tem na história de  Matsumoto e Sawako o fio central, através do qual se entrelaçam mais duas histórias de paixão, dor e espera. Porém quem acha q a temática o transforma num melodrama ocidental e, principalmente, ibérico, se engana. A narrativa é densa, mas o tratamento dado por Kitano torna as histórias sublimes e belas, apesar de trágicas.
             
O trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=W-7eNtLia6o

O que fazemos conosco q muitas vezes nos tornamos dolls?
http://www.youtube.com/watch?v=8hU8YmP6sHk

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Um poeta refugiado em Buenos Aires

      Coppola dirige Vincent Gallo (um Adônis de olhos azuis) pelas ruas de Buenos Aires e conta a história de Tetro um poeta de origem americana que se auto refugiou em Buenos Aires fugindo de um conflito familiar de poder, vaidade e rivalidade. Há uma aura de Édipo Rei no roteiro...
    O filme é quase todo em preto e branco com belíssima fotografia como não podia deixar de ser em se tratando de Coppola.
                  

O trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=XJ_XTIsMKig

Memórias de menina cantadas no Boitempo

BRINCAR NA RUA
Tarde?
O dia dura menos que um dia.
O corpo ainda não parou de brincar
e já estão chamando da janela:
É tarde.

Ouço sempre este som: é tarde, tarde.
A noite chega de manhã?
Só existe a noite e seu sereno?

O mundo não é mais, depois das cinco?
É tarde.
A sombra me proíbe.
Amanhã, mesma coisa.
Sempre tarde antes de ser tarde.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Achados e perdidos

        Generalizando, e dando ao caso um toque emocional de exagero, levo metade do dia a procurar o que se extraviou na véspera.
         Não, não tentem ajudar-me, ó bem-amadas, pois não se trata de jóias e, se por acaso eu as houvesse herdado, não teriam para mim outro valor senão o de empenhá-las pouco a pouco.
         O que eu perco são coisas imponderáveis, suspiros não, mas pensamentos, se assim posso chamar o que às vezes me borboleteia na cuca e que procuro transfixar no papel, antes que um súbito buzinar ou britadeira as mate de nascença.
        E, enquanto procuro traçá-las a lápis no papel, pois graças a Deus não pertenço intelectualmente à era mecânica, às vezes me parece que, por exemplo, um manuscrito me saiu um garrancho, ou, antes, um gancho, que faz pender a linha destas escrituras e por conseguinte a linha do pensamento.
       Estão vendo? De que era mesmo que eu estava falando? Ah! era dos papéis escritos, extraviados, esqucidos.
        Quem sabe lá como seriam bons!
       Quanto a este, que tive o cuide de não perder, o melhor será colocar-lhe no fim os três pontinhos das reticências...
         Ninguém sabe ao certo o que querem dizer reticências.
        Em todo caso, desconfio muito que esses três pontinhos misteriosos foram a maior conquista do pensamento ocidental...

domingo, 18 de setembro de 2011

"Viver sem Tempos Mortos"

         Hoje foi um domingo ímpar em minha vida. Um dia em q mais claramente ainda vi q meus passos, mesmo q tortos,  sempre me guiaram para o caminho onde estou.
       Hoje foi um dia para sempre.
       Hoje reencontrei Simone de Beauvoir na voz, no porte, na imagem, na luz e no corpo de Fernanda Montenegro.
         Hoje assisti ao monólogo Viver sem Tempos Mortos, criado por esta  a partir da obra daquela. Não reencontrava  a obra de Simone desde os vinte anos, quando li O Segundo Sexo. E o reencontro foi leve, lúcido e profundo, de me deixar por vezes com um meio sorriso na cara, outras vezes com uma meia lágrima nos olhos. E percebi o quanto do texto ficou para sempre marcado na minha trajetória nesses vinte anos q se seguiram àquela primeira leitura. Percebi q mesmo sem o perceber mantive-me fiel ao q o texto fez nascer em mim naquela época. Descobri que mantive-me fiel, mesmo nas minhas incoerências, ao tornar-me mulher, pois segundo Simone, não nascemos mulher, tornamo-nos mulher.
        Constatei q a principal pergunta - o que é ser mulher? - mantêm-se viva em mim, produzindo dia a dia novos frutos que são, no seu conjunto, o que eu, verdadeiramente, sou.  Libertária, no árduo e contínuo exercício diário de me fazer mulher livre. Porque também a liberdade é uma construção na qual muitas vezes lutamos contra nós mesmos.
       No texto de Simone de  Beauvoir, na interpretação de Fernanda Montenegro, me reencontrei e me vislumbrei, passado e futuro no momento presente de ser inteira existência.
                         
        Pra quem quiser ver nas palavras da própria atriz, uma entrevista para o programa Metrópolis da Cultura:
http://mais.uol.com.br/view/1xu2xa5tnz3h/metropolis--entrevista-com-fernanda-montenegro-04023970D4B92346?types=A

sábado, 17 de setembro de 2011

O último preto véio do blues

David 'Honeyboy' Edwards
b. June 28, 1915, in Shaw, Mississippi
d. August 29, 2011 in Chicago, Illinois


“Eu já devia estar morto há mais de cinqüenta anos, mas Deus ainda não estava pronto para me receber”.

David “Honeyboy” Edwards, o último da geração dos “Delta Blues Singers”, músicos do Mississipi que  criaram as raízes do blues.

Caetaneando

Nosso estranho amor

Não quero sugar todo seu leite
Nem quero você enfeite do meu ser
Apenas te peço que respeite
O meu louco querer

Não importa com quem você se deite
Que você se deleite seja com quem for
Apenas te peço que aceite
O meu estranho amor

Ah! Mainha deixa o ciúme chegar
Deixa o ciúme passar e sigamos juntos
Ah! Neguinha deixa eu gostar de você
Prá lá do meu coração não me diga
Nunca não

Teu corpo combina com meu jeito
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois

Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor

http://www.youtube.com/watch?v=zpWAiRBIlXk
 

Un film

Um dos filmes mais lindos a que assisti nos últimos anos. Leveza, conflito, graça, amor, solidão, gente, século xxi... e ainda em espanhol!
        

Sinopsis.
Martín es un fóbico en vías de recuperación. De a poco va saliendo del encierro en su monoambiente y su adicción al mundo virtual. Mariana, recién separada, tiene tan desordenada la cabeza como el departamento en el que se refugia. ¿Deberían conocerse, no? ¿Cómo se pueden encontrar en una ciudad superpoblada y caótica como Buenos Aires? Medianeras. Lo mismo que los separa es lo que los une.
Notas del Director.
Medianeras es el resultado de distintas ideas que alguna vez, que ya no recuerdo, se empezaron a encontrar. Casi todas producto de las observación y la curiosidad por entender a Buenos Aires y los que la vivimos en estos días. Hace poco tiempo leí unas líneas de Luis Martín-Santos que bien podrían haber inspirado la idea sobre la que trabajé: “… un hombre es la imagen de una ciudad y una ciudad las vísceras puestas al revés de un hombre, que un hombre encuentra en su ciudad no solo su determinación como persona y su razón de ser, sino tambien los impedimentos múltiples y los obstáculos invencibles que le impiden llegar a ser.” Psiquiatra, claro. Me gusta pensar Medianeras como una fábula urbana. Una construcción artificial y graciosa sobre la vida moderna en las grandes ciudades. Siguiendo la relación que propone la película con la arquitectura debería decir que Medianeras estáconstruída sobre cuatro pilares/columnas.

O trailler:
http://www.youtube.com/watch?v=229QZIbCYvQ

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

ANTOLOGIA

Guardo na boca os sabores
da gabiroba e do jambo,
cor e fragrância do mato,
colhidos no pé. Distintos.
Araticum, araçá,
ananás, bacupari,
jatobá... todos reunidos
congresso verde no mato,
e cada qual  separado,
cada fruta, cada gosto
no sentimento composto
das frutas todas do mato
que levo na minha boca
tal qual me levasse o mato.



AQUELE CÓRREGO
Tão alegre este riacho.
Riacho? Gota d'água em tacho,
nem necessita pinguela
para chegar à outra margem.
Um salto: salto a corrente.
É ribeirão de presépio,
é mar de quem nunca viu
o mar, nem prevê o mar.
Tão festeiro, tão brincante
de lambaris rabeando
na tranparência da linfa.
Tão espelho, tão pedrinhas
de luz chispante em arestas.
Que nome ele tem? Não tem
nome nenhum, tão miudinho
ele é. Pois é, qual riacho
qual nada. Ele é mesmo corgo
ou nem isso. É meu desejo
de água que não me afogue
e onde eu veja minha imagem
me  descobrindo, indagando:
Que menino é esse aí?

Que menino é este aqui?
Não sei como responder.
A agüinha treme, trotina
sob o calhau atirado
por meu irmão. Ou por mim?
Melhor é deixar o corgo
brincar de ser rio e ir
passeando lambaris.