sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pausa

           Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
           Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
           Com um ciclista tombado?
           Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
           E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
           E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois __ Dom Quixote ou Sancho? __ vive uma vida mais intensa e portanto mais verdadeira...
           E paira no ar eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
           Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
           E agora?
          Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
          "Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
         Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
          A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
         E daí?
         __ Mas o melhor __ pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança __, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

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