sábado, 6 de fevereiro de 2010

gullar no rascunho

O jasmim
me invade as ventas
no limite do veneno
assim de muito perto
esse aroma rude é um oculto fogo verde
(quase fedor)
que me lesiona
as narinas
entre o orgasmo e a morte
mal pergunto
que é isto um cheiro?
quem o faz?
a flor e eu?
um invento
milenar da flora?
quando? desde quando?
já estaria na massa das estrelas o cheiro da alfazema?
Nasce o perfume com as florestas
um silêncio a inventar-se nas plantas
vindo da terra escura
como caules, talos ramos folhas
o aroma
que se torna o arbusto jasmineiro.
Nos jardins dos prédios (na rua senador Eusébio,
por exemplo), nos matagais,
são usinas de aromas
a fabricar jasmim anis alfazema
(alguns cheiros são perversos
como o anis
que a muitos poetas endoidou
durante a belle époque;
já o da alfazema
dorme manso nas gavetas de roupas
em São Luíse reacende o perdido)
Tudo isto para dizer que ontem à noite
arranquei flores de um jasmineiro
no Flamengo
e vim com elas
- um lampejo entre as mãos -
pela rua
sorvendo-lhe o aroma selvagem
enquanto foguetes Tomahawk caíam sobre Bagdá.
Ferreira Gullar
Jornal Rascunho fev 2010

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