terça-feira, 6 de julho de 2010
Maiakóvski e o Futuro
Vladimir Maiakóvski era obcecado com o futuro, e não só por fazer parte dos futuristas russos. Os futuristas eram poetas anárquicos, irreverentes, meio plebeus, que usavam linguagem das ruas, e se contrapunham ao simbolismo russo, feito de poetas intelectualizados, sofisticados, um tanto elitistas. O futurismo era uma coisa meio hip-hop para a época – a Rússia dos anos 1920. O maior poema de Maiakóvski nunca foi (penso eu) inteiramente traduzido em português. Seu título russo é “Pro eto” – nas variadas traduções, “Sobre isto”, “A respeito disto”, “About that”, etc. É um poema-livro em várias partes. A última parte, chamada “O Amor”, foi traduzida para o português por Ney Costa Santos, musicada por Caetano Veloso, e gravada por Gal Costa sob o título “O amor – sobre o poema de Vladimir Maiakóvski”, em seu álbum Fantasia, de 1981.
Neste trecho do poema, Maiakóvski se dirige aos cientistas do século XXX, porque prevê que sua amada será ressuscitada por eles no futuro: “Talvez quem sabe um dia / por uma alameda do zoológico / ela também chegará / ela que também amava os animais / entrará sorridente assim como está / na foto sobre a mesa / ela é tão bonita / que na certa / eles a resssuscitarão”.
Maiakóvski tinha duas idéias fixas: a do suicídio e a da ressurreição. Como se ele confiasse tanto no futuro que dissesse a si mesmo que podia meter uma bala na cabeça toda vez que tivesse uma desilusão amorosa: a Ciência o traria de volta. Ele diz: “O Século Trinta vencerá / o coração destroçado já / pelas mesquinharias / agora vamos alcançar / tudo o que não podemos amar na vida / com o estrelar das noites inumeráveis”.
Até aqui, a canção de Caetano tem uma melodia discreta, intimista. Mas quando começa o refrão, a música começa a galgar patamares sucessivos de modulação, de subida de tom, de um grito que parece querer alcançar cada vez mais longe, mais perto do Século Trinta: “Ressuscita-me! / Ainda que mais não seja / porque sou poeta / e ansiava o futuro. / Ressuscita-me! / Lutando contra as misérias / do cotidiano, / ressuscita-me por isso. / Ressuscita-me! / Quero acabar de viver o que me cabe / minha vida / para que não mais existam / amores servis...”
Como diz Fernando Peixoto, é “um poema sobre um amor trágico e desesperado... num clima quase permanente de alta tensão”. Maiakóvski não pensa em renascer por um milagre. Dizem que ele acreditava sinceramente que no futuro seria possível ressuscitar alguém. Para quê? O poema finaliza: “Ressuscita-me / para que a partir de hoje / a família se transforme / e o pai seja pelo menos o Universo / e a mãe seja no mínimo a Terra”. O que ecoa, invertidamente, no grito igualmente desesperado de Lennon em “Yer Blues”: “My father was of the sky / my mother was of the Earth / but I’m from the Universe / and you know what it’s worth”. Poetas de uma época em que o Futuro e o Universo estão mesmo no cerne de cada tragédia e de cada paixão.
do Bráulio Tavares no seu mundo fantasmo
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