Hoje
foi um dia de silêncio e trabalho. Passei o dia em meio a papéis, recibos
velhos e novos, revi antigas anotações e repassei a agenda usada, mesmo q de
forma bastante descontínua, no ano passado. Então, me deparei com dois textos meus
sem datação. Um talvez seja de janeiro de 2013, mas o outro não sei de quando
é. É esse segundo texto q trago aqui para o blog. Vamos a ele:
“Mais uma vez acordo por volta
das três e trinta da madrugada. Há um silêncio absoluto em tudo à minha volta. Árvores,
animais, noite... nenhuma folha se move, não há canto de coruja alguma. Apenas
eu, tb, em silêncio, olho as estrelas caladas num céu aberto e de profundo
azul.
Acima da minha casa, bem acima,
está o Cruzeiro do Sul, parecendo traduzir q naquele silêncio e naquela
imobilidade absurdos, mesmo neles, há uma direção, há uma indicação de rotas
para navegantes de mares de diversa essência.
Dentro de mim, há tb um silêncio
tumultuado de coisas descabidas, inacabadas, mal começadas, silenciadas.
Sento-me à beira de mim para conversar com elas. São tristes, tortas e feias, são
violentas, são más. São, principalmente, eu mesma.
E eu? O q sou?
Nessa esquina desse pensar
obtuso, deparo-me com aquela q considero umas das principais marcas de FPessoa
em mim. O texto, através do qual, fui apresentada ao mar português q é Pessoa,
um oceano profundo, vasto, às vezes calmo, às vezes violento. Para mim, a maior
violência de Pessoa é a sua suprema lucidez, jogada, assim, de chofre na tua
cara, com duas, três palavras.
O texto de q falo é a carta em q
Álvaro de Campos narra o dia em que conheceu aquele q passaria a chamar de
mestre, Caeiro. E Álvaro lhe pergunta se o mestre estava contente consigo. Ao q
Caeiro responde: “Não: estou contente”.
Esta resposta assim, curta e
simples, se alojou como um disparo certeiro no centro de tudo que eu era então.
22 anos eu tinha. Ela andou uma semana comigo, pesando meu ser. E então, um
dia, ela me caiu ao colo como um maço de flores, como uma estrela que se
espalha em luz pelo nada, como uma criança q ri inteira. E eu a compreendi com
a lógica da alma q é maior q qualquer linguagem humana. Eu a compreendi com o
silêncio.
Desde então, ela anda comigo
transformada. Doce brisa, violenta certeza.
Desde então, eu tento apenas
ser. Tarefa inglória no mundo das
manifestações que te quer tb manifestado, que te pergunta diariamente, na
maioria das vezes em silêncio, só com os olhos, quem tu és.
E eu aqui sentada à beira de
mim, habitando o silêncio e a noite, quero apenas me calar, cansada desse
existir multidiverso. Quero esgotar tudo, até não sobrar nada, até que a própria
resposta de Caeiro se dissolva como nuvem no céu noturno, ele mesmo ausente de qualquer
brilho, ausente até de si.
Nada... nada... coisa alguma tem
importância...
O que é o amarelo?
O que é uma flor à beira do rio?
O que sou eu à beira de mim?
Nada... nada.. coisa alguma tem importância.
”