domingo, 15 de agosto de 2010

Canto da inteireza

Em certas noites,
Em momentos inesperados,
As redes de Orfeu
Me trazem
do fundo do mar ancestral
um fantasma que lá se esconde.
Habitante de navios náufragos,
Esse fantasma, às vezes, assoma
À minha superfície
E deixa revolto o mar tranqüilo
Do meu cotidiano.

Como no grafite,
Esse celacanto que mora
Nessas minhas regiões abissais,
Não é, na verdade, o provocador dos maremotos.
É sim, um codinome
Pra um submarino inimigo
Que ronda minhas fronteiras
Tencionando vencer-me e conquistar-me.
O comandante, ironia maior,
Tem minha face e minha voz
Tão bem disfarçadas
Noutra voz e noutra face –
A do fantasma que me ronda.
Enfim,
Não há ninguém ali
Além de mim mesma.
Essa é a única coisa,
Verdade nua e crua,
Que mantém o leme seguro
E a rota firme.
Todos os embates são meus,
Todos os inimigos
São minha contraface,
Porque nada me habita
Se eu não o tiver tornado
Eu.

Sou ilha
E pra me habitar
Há que se tornar ilhéu.

Sou mar
E pra me habitar
Há que se tornar marítmo.

Sou navio
E pra estar a bordo
Há que ser marinheiro.

Sou eu,
Fantasma, mar, navio, ilha,
Origem, caminho, destino final,
oroboros.

SOU INTEIRA.
APENAS SOU.

Fernanda Meireles,
Juiz de Fora, 16 de agosto de 2010,
a partir do filme "A Origem"

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