Foi a leitura de Calvino que me levou à leitura de "Zaziê no metrô" e, a partir dela, a conhecer Raymond Queneau, figura singular da literatura francesa do século XX. Nessa obra de 1959 já é possivel observar traços de rompimento com a construção narrativa que vão ser marcos da chamada literatura do fim do século vinte. Se o leitor não ficar atento, acaba se perdendo nos meandros da narrativa, misturando personagens e lugares. Muito me marcou também a transposição para o texto da movimentação quase alucionatória de uma cidade como Paris. Estão lá também as ironias e as críticas aos 'rapturistas' (como reconstrói no Português Paulo Werneck) e aos parisienses que os recebem. Se por um lado aqueles parecem animais automatizados que só levam da cidade a imagem que o roteiro turístico lhes impõe, estes também aproveitam-se para tirar-lhes trocados a mais por ocasiões de viver a autêntica Paris que só os nativos conhecem.
Mas o melhor de tudo, como observa Roland Barthes no posfácio, é realmente a figura da menininha desbocada, Zaziê. Sua vontade de conhecer o metrô de Paris durante a curta estadia na casa do tio Gabriel leva a várias confusões nas quais diversos personagens típicos da cidade participam. É também um modo de o autor fazer um retrato dos parisienses. Zaziê e sua boca suja, o tempo todo, são um contraponto para as falas e as atitudes dos adultos como que, ao desmarcarar o discurso de cada um, desconstrói também um modelo de construção narrativa mais policamente correto (nos termos de hoje impostos pela hipocrisia americana) e literariamente mais tradicional. Zaziê me lembrou minha sobrinha de oito anos que, embora não tenha a mesma boca suja, tem a capacidade de 'sentar os adultos no colo'. Zaziê me lembrou diversos alunos de uma das escolas públicas onde leciono que, com sua boc a suja e suas frases cortantes, desmascaram uma narrativa social que a mídia toda noite tenta lhes inculcar. Fico feliz por saber que Zaziê aportou no Brasil.
Fernanda Meireles, 24 agos 2010
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