Hoje, lendo o Rascunho, reecontrei a obra de Orides Fontela (1940 — 1998) , mais uma poetisa brasileira que não recebeu as benesses do 'boom' literário nacional. Afinal nunca se produziu tanta literatura no Brasil, mas ainda se registram casos de poetas q morrem na miséria, em sanatórios ou esquecidos pelas esquinas da cidade. O texto de Fernando Monteiro ("E para que ser poeta em tempos de penúria?"), no Rascunho de outubro 2010, é um grito de denúncia contra o mundo acadêmico e o mundo editorial, aquele com seus bisturis e sua assepsia e este que, em função de sua ânsia econômica, prefere os autores facilmente digeríveis aos herméticos ou cabralinos. Foi o q fizemos com Orides e com Piva.
Fernanda Meireles
"Orides de Lourdes Teixeira Fontela nasceu em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, em 21 de abril de 1940. Começou a escrever poemas aos sete anos de idade. Como ela mesma dizia, sua família "não tinha base cultural, meu pai era operário analfabeto, de modo que a cultura que peguei foi na base do ginásio, escola normal e leitura". Aos 27 anos, deixou sua cidade natal e veio morar em São Paulo, com dois sonhos na cabeça: entrar na USP e publicar um livro. Cumpriu os dois: fez Filosofia e publicou seu primeiro livro, Transposição , com a ajuda do professor Davi Arrigucci Jr., seu conterrâneo. Depois de formada, foi professora do primário e bibliotecária em escolas da rede estadual de ensino. Publicou ainda Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986), Trevo 1969-1988 (1988) e Teia (1996). Com Alba , recebeu o prêmio Jabuti de Poesia, em 1983; e com Teia , recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1996. Sempre com dificuldades financeiras, no final da vida, acabou sendo despejada de seu apartamento no centro da cidade e foi viver com sua amiga Gerda na Casa do Estudante, um velho prédio na Avenida São João. Era uma pessoa irritadiça e muitas vezes se meteu em encrencas, brigando com seus melhores amigos. Morreu em Campos de Jordão, aos 58 anos, no dia 4 de novembro de 1998, de insuficiência cardiopulmonar, na Fundação Sanatório São Paulo. (In: http://www.revista.agulha.nom.br/of.html#bio)"Alguns poemas de Orides:
AXIOMA
Sempre é melhor
saber
que não saber.
Sempre é melhor
sofrer
que não sofrer
Sempre é melhor
desfazer
que tecer
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vemos por espelho
e enigma
(mas haverá outra forma
de ver?)
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DESAFIO
Contra as flores que vivo
contra os limites
contra a aparência a atenção pura
constrói um campo sem mais jardim
que a essência.
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AURORA III
Instaura-se a forma
num só ato
a luz da forma é um único
ápice
o fruto é uma única forma
instaurada plenamente
(o amor é unicamente
quando in-forma)
... mas custa o Sol a atravessar o deserto
mas custa a amadurecer a luz
mas custa o sangue a pressentir o horizonte
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