segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Leituras nada natalinas

              Nesse descanso de Natal aproveitei para derrubar dois volumes da minha estante. Derrubar, aqui, num sentido semelhante a touradas, onde se deve pegar o boi pelo chifre e mostrar quem é quem. Bom, eu tentei.
      O primeiro deles foi "Toda Terça" da Carola Saavedra, chilena radicada no Brasil e já integrada ao grupo da novíssima prosa brasileira, seja lá o que isso signifique e abranja.
    Gostei da narrativa que fluiu bem, numa leitura prazerosa. O livro me trouxe contextos antigos, me fez relembrar episódios dos tempos de faculdade, quando participava do debate acadêmico e do delírio que a ele precedia ou sucedia. Em termos estilísticos, é uma narrativa que eu enquadraria no gênero feminino (outro campo bastante difuso e discutível) e tbm dentro daquilo q se chama prosa pós-moderna/moderna (outra querela acadêmica???) com seus períodos sem pontuação ou com pontuação apenas suscitada pela leitura (próxima do estilo Saramago). A narrativa é construída com duas histórias q correm em separado e que se unem ao final. É um ótimo livro para um dia de chuva, friozinho, pulôver leve e meias nos pés e um caputtino forte nas mãos.
          O segundo livro que carreguei comigo, na verdade, foi uma escolha proposital para um reenfrentamento. Trata-se de "Poemas Malditos, Gozosos e Devotos" da Hilda Hilst. Na primeria vez que li o livro, há uns dois anos, ele me incomodou bastante. São poemas, interpelações da autora a Deus. Mas Deus aqui só pode ser acessado via carne, o único mundo, segundo a poetisa, que ela conhece e através do qual pode se dirigir a Ele. Não são interpelações contemplativas, mas conflituosas e, às vezes, bastante eróticas. Há um Deus dor e vazio q depende da carne humana para existir, existência divina que sangra a existência humana. Um mistério de dor e amor. Só lendo.
       São ao todo vinte e um poemas que li e reli neste fim-de-semana, com a boca, às vezes, seca, outras vezes, salivante. Só lendo.

É neste mundo que te quero sentir
É o único que sei.
O que me resta.
Dizer que vou te conhecer a fundo
Sem as bênçãos da carne, no depois,
Me parece a mim magra promessa.
Sentires da alma? Sim. Podem ser prodigiosos.
Mas tu sabes da delícia da carne.
Dos encaixes que inventaste.
De toques.
Do formoso das hastes.
Das corolas.
Vês como fico pequena e tão pouco inventiva?
Haste. Corola.
São palavras róseas.
Mas sangram.
Se feitas de carne.
Dirás que o humano desejo
Não te percebe as fomes.
Sim, meu Senhor,
Te percebo.
Mas deixa-me amar a ti, neste texto
Com os enlevos
De uma mulher que só sabe o homem
            xxxxxxxxxxx 

Não te machuque a minha ausência, meu Deus,
Quando eu não mais estiver na Terra
Onde agora canto amor e heresia.
Outros hão de ferir e amar
Teu coração e corpo. Tuas bifrontes
Valias, mandarim e ovelha, soberba e timidez

Não temas.
Meus pares e outros homens
Te farão viver destas duas voragens:
Matança e amanhecer, sangue e poesia.

Chora por mim. Pela poeira que fui
Serei, e sou agora. Pelo esquecimento
Que virá de ti e dos amigos.
Pelas palavras que te deram vida
E hoje me dão morte. Punhal, cegueira

Sorri, meu Deus, por mim. De cedro
De mil abelhas tu és. Cavalo d'água
Rondando o ego. Sorri. Te amei sonâmbula
Esdrúxula, mas te amei inteira.
                   xxxxxxxxxxx
     Minha admiração por Hilda Hilst só se fez maior e maior se fez tb minha fome aguda a qual matemáticas abstratas não saciam porque Deus,
"Teu alimento é uma serva
Que bem te serve à mão cheia.
Se tu dormes ela escreve
Acordes que te nomeiam.

Abre teus olhos, meu Deus,
Come de mim a tua fome.

Abre a tua boca. E grita este nome meu."
                                              26/12/2011

2 comentários:

  1. Queria ter estudado Deus na literatura de Hilda. Mas achei que era grande demais para mim. Para nós... =)

    Boas leituras! =D

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  2. Ju,
    sempre é tempo. Boas leituras pra vc tb. Espero q esteja gostando da 'sacolinha' q deixei pra vc.bjo

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