sábado, 24 de novembro de 2012

A morte na luz da manhã

      Hoje eu vi a morte nos olhos de uma sabiazinha que se chocou contra o vidro da minha sala. Eu estava acordada, mas ainda na minha cama e ouvi o barulho. Corri, preocupada em ser um dos vidros da sala q talvez se tivesse quebrado como ocorreu há meses atrás. Mas não. Era uma sabiazinha que havia se chocado contra ele e estava morrendo no chão da minha varanda dos fundos. Ela agonizava no chão enquanto o  parceiro assistia às minhas tentativas de reanimaçao pousado na obra ao lado.
      Eu vi, nos olhos dela, a vida se esvaindo. O respirar compassado e lento, o sangue saindo pelo bico e a vida indo embora nos olhos. É a segunda vez q eu vejo a morte nos olhos. A primeira foi nos olhos do meu pai.
     Poderia ser apenas a morte de um pássaro. Mas ela morreu olhando  nos meus olhos.
     Eu apenas dizia "vai com Deus'" enquanto, com as mãos, tentava transmitir-lhe paz.
     Eu me senti a pior das pessoas. Eu me lembrei de seu canto e me senti a pior das pessoas.
     O macho foi embora depois q eu joguei o corpo inerte na mata aos fundos de casa.
     Mas o olhar está comigo.
     Uma mesma falta nos habita a partir de hoje.
     Peço perdão por ter uma sala de vidro.
     Eu sei que o vidro é transparente. Eu sei que a verdade é transparente. Mas, hoje, mais do que nunca, eu descobri que a transparência da verdade pode matar qqr um que se aventure num vôo cego.   
          Eu, se morrer como ela, inebriada pela luz da manhã do espírito, morro feliz.
         Melhor voar e correr o risco de morrer q nunca ter tentado sair do lugar, mesmo que seja um vôo cego e suicida, mas coroado pela luz da manhã.
         Obrigada por ter me ensinado isso tudo.

domingo, 18 de novembro de 2012

Sísifo no bar

       De Grécias longíquas e Egitos atemporais, minha voz revela o humano, demasiado humano, fracasso de dizer o essencial, o exato essencial. Um brinde a esse pérpetuo fracasso humano. Por conta dele, erguemos civilizações e queimamos almas em praça pública. Hoje, minguamos devagar, em depressivos conta-gotas ou nos metralhamos nas ruas. Fracassaremos sempre, até não ser mais necessário tentar nada. Até lá levaremos nossa obra até os píncaros para, em seguida, vê-la despencar abismo abaixo. Dia-a-dia, sisificamente, cumprimos nossa humana sina.
       Ei garçon, desce mais uma que amanhã é segunda, depois de um feriadão, e eu me recuso a ver o Domingão.
       Salve Quintana. Salve.
                                                          Fernanda Meireles

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O canto da coruja

         Quando os meus passos se mostram diferentes, minha cabeça vai alta e tranquila. Uma alquimia ainda inexata age nos horizontes do que sou, ampliando e aprofundando-os.
       Na madrugada, acordo e da minha janela vejo o silêncio absoluto que engendra o novo dia. Há uma força em suspensão na madrugada que não deixa nada se mover, nenhuma folha de árvore na mata, nenhum grilo no chão, ousam deflorar esse silêncio. Então deixo meu ser repousar nesse absoluto, nessa amplidão e nessa profundidade. E ele se alarga, rompendo muitas fronteiras que,durante o dia, o aprisionaram. Comungo do mistério que prepara o dia.
        Meus olhos, respeitosos, mergulham na escuridão e no silêncio. Minhas mãos tentam tocá-los em vão. Só me resta esse texto, relato iniciatório.
        Devagar e em silêncio essa alquimia me faz vislumbrar grandes abismos de um terror absoluto e doce nos quais morrer é viver  maior. Nesse silêncio quero me transmutar, me consubstanciar. Que essa minha alquimia inexata a ele me leve, minha oppus magna, silêncio e absoluto. Assim seja.
                                                                      Fernanda Meireles, 16/11/2012

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dando as caras

Primeiro post na casa nova. Enfim tenho net. Mas o tempo sem ela valeu. Andei pela minha estante como nunca.
Retorno com Fernando Pessoa, como não poderia deixar de ser.

«Com dia teço a noite,
Com noite escrevo o dia...
Ó Universo, eu sou-te!»
(Sombra de luz na bruma fria,
Que é este archote?
Que mão o tem e o guia?)


«Não me chamo o meu nome...
Sou de ti, mundo-não,
Ser mente em ti eu sou-me!»
(De quem esta voz-clarão?
D’O que tem por cognome
O ser da imensidão)
  


Na voz de Bethânia: https://www.youtube.com/watch?v=gWI1gs0dJYk 

e de Abujamra: https://www.youtube.com/watch?v=6sLN8Ez5q6E&list=PL5B9C892DDC01834B&index=30&feature=plpp_video