quinta-feira, 29 de maio de 2014

Clariceando na madruga insone

A Mágoa Mortal
          Os telhados sujos a sobrevoar, arrastas no vôo a asa partida. Acima da igreja as ondas do sino te rejeitam ofegante até a areia da praia. O abraço consolador não podes mais suportar pois amor estreita asa doente. Sais gritando pelos ares em horror, sangue escoa pelos telhados. Foge. foge para o espanto da solidão, pousa na rocha, estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou: tua asa mais inocente foi atingida. Mas a cidade te fascina. Insistes lúgrebe em brancura carregando o que se tornou o mais precioso: a dor. Voas sobre os tetos em ronda de urubus. A asa pesa pálida na noite descida em pálido pavor. Sobrevoas persistente a cidade fortificada e escurecida — capela, ponte, cemitério, loja fechada, parque morto, floresta adormecida, folha de jornal voa em rua esquecida. Que silêncio na torre quadrada. Espreitas a fortaleza inalcançável. Não, não desças, não finjas que não dói mais — é inútil negar asa partida. Arcanjo abatido, não tens onde pousar. Foge, assombro, foge, ainda é tempo — desdobra com esforço a asa confrangida. Foge, dá à ferida a sua verdadeira medida e mergulha tua asa no mar. C.L.


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