domingo, 27 de março de 2011

Memórias de menina

           O sítio da avó era sempre um campo de exploração e de fenômenos incomuns. As galinhas que se escondiam quando a menina e a tia assomavam à porteira, as caixas enormes guardadas debaixo da cama do antigo quarto das tias, o quartinho escuro, sem janelas, defronte ao quarto do tio solteirão, a casa das máquinas, o rádio com a Voz da Brasil, e o tic-tac do relógio da mesa da cozinha... Visitar a casa da avó era sempre uma aventura, era explorar um mundo diferente.
           A casa do sítio ficava numa pedreira e era cortada por dois veios de água – um na chegada, entre o curral e a porteira de entrada da casa, e o outro, nos fundos, do lado da porta da cozinha. A casa ficava no alto. O sítio, aliás, fica num alto de serra, com matas ao fundo, cheias de jacus, gatos e cachorros do mato. A pedreira na frente permitiu à casa uma vista larga do vale e da estrada tranqüilos lá embaixo. Na pedreira, o avô construíra a casa de moradia, ao lado dela a casa das máquinas (para o trabalho com os grãos colhidos e o preparo da ração do gado), o paiol, mais acima, o galinheiro, perto do pomar, o chiqueiro e, descendo junto com os cursos d`água, que se unificavam logo após a porteira, ficava, à meia descida, o moinho de fubá, e no final da cascata, a usininha geradora de energia elétrica. O sítio por muito tempo foi a única propriedade rural das cercanias a ter energia elétrica. O ato de desligar o gerador era o ritual que encerrava o dia de trabalho. O tio, filho mais velho, solteirão e sistemático, descia lá pelas nove, depois da Voz do Brasil, depois de jantar e da broa estar assada, para desligar o gerador. Então, um escuro enorme tomava conta de tudo. Só se ouvia o coaxar dos sapos e, às vezes, um ou outro animal a fazer barulho. Em noites de lua nova, era a experiência do breu, do escuro completo. Não havia como divisar nenhuma forma ao redor, restavam sons e cheiros. E uma menina de olhos abertos que de nada lhe valiam. Depois de algum tempo, o sono e o cansaço venciam-lhes.

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Uma foto antiga, no sítio, minha avó e os filhos:

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