sábado, 30 de abril de 2011

A herança desaparecida de Cervantes

(Este texto é um apanhado do primeiro capítulo do livro de Milan Kundera, A arte do romance, na edição da Companhia das Letras de 2009)

            Kundera considera Cervantes como um dos fundadores dos tempos modernos. Para Kundera, com Cervantes teve início a arte européia da exploração do ser do homem, o ser esquecido como consideram Heidegger e Husserl. Para o autor tcheco, os grandes temas existenciais discutidos em Ser e Tempo já vinham sendo explorados nos romances produzidos nos últimos quatro séculos.
        Kundera retoma, então, diversos autores e mostra como cada um foi responsável por explorar diferentes aspectos da existência em suas obras:
Cervantes: a aventura;
Richardson: a vida secreta dos sentimentos;
Balzac: o enraizamento do homem na História;
Flaubert: a exploração do cotidiano;
Tolstói: a intervenção do irracional no comportamento humano;
Proust: o momento passado;
Joyce: o momento presente;
Thomas Mann: os mitos e o começo dos tempos;
Etc, etc.
          O romance é, segundo Kundera, o locus da ‘paixão de conhecer’, apresentada por Husserl como a marca, por excelência, do início dos tempos modernos. Essa paixão protege o homem do esquecimento e ilumina constantemente o mundo da vida. Para exemplificar, cita um dos seus autores preferidos – Hermann Broch: “Descobrir o que somente um romance um romance pode descobrir é a única razão de ser de um romance. O romance que não descobre algo até então desconhecido da existência é imoral. O conhecimento é a única moral do romance.”
            Cervantes, a o escrever Dom Quixote, mostra um mundo multifacetado, no qual a verdade absoluta se fragmentou em muitas verdades relativas diferentes e até contraditórias. Cada personagem representa um fragmento da verdade e a única certeza é reconhecer a incerteza, a relatividade. Dom Quixote sai de casa e encontra um mundo do qual o Juiz supremo se ausentou. Então é preciso consertá-lo, impor ordem, discernir claramente o bem do mal.
         Entretanto, o tempo em Dom Quixote ainda não é o tempo histórico e o mundo parece ilimitado. É um tempo sem começo ou fim, um espaço sem fronteiras. Isso tem fim com Balzac. Agora o romance embarca no trem da historia que promete aventuras e glórias a seus passageiros. Mas por pouco tempo...
            Já a Ema Bovary de Flaubert vê seu horizonte estreitar-se. Seu cotidiano é tedioso, nostálgico, as aventuras não pertencem a seu mundo e restam-lhe os sonhos. Assim, o infinito do mundo exterior dá lugar ao infinito da alma. Porém, a História, como força supra-humana, apossa-se do homem e o infinito da alma perde seu encanto. Agora temos K diante do tribunal. A História como força apossa-se do indivíduo e toma-lhe todos os pensamentos. Nem na cela K tem mais a possibilidade de sonhar, pensa apenas em seu processo.
         Desse modo descrita, a história do romance se mostra como uma história em paralelo dos tempos modernos. Dom Quixote retorna, séculos depois, na pele do agrimensor K ( O Castelo, Kafka), mas o personagem central vive uma aventura que lhe é comandada de fora.
           Se nos voltarmos para as questões dos valores, Kundera nos mostra que em Homero ou em Tosltói a guerra possuía um sentido, mas em O bravo soldado Chveik, de Hasek, o personagem central e seus companheiros vão pra frente de batalha sem saber por quê, e, pior ainda, sem se interessar em sabê-lo. É um mero exercício de força, despido de qualquer sentido, pois mesmo aqueles que estão na luta não acreditam na propaganda que a justifica. Esse exercício sem sentido da força é também uma das marcas de Kafka.
       “Kafka e Hasek nos põem em confronto com este imenso paradoxo: durante a época dos tempos modernos, a razão cartesiana corroía, um após outro, todos os valores herdados da Idade Média. Mas, no momento da vitória total da razão, é o irracional puro (a força querendo apenas seu querer) que se apossará do cenário do mundo, porque não haverá mais nenhum sistema de valores comumente admitido que possa lhe fazer obstáculo.”

Continua...       
                                  

Escritor argentino Ernesto Sábato morre aos 99 anos

                      

                       O escritor argentino Ernesto Sábato morreu neste sábado aos 99 anos em sua casa, nos arredores de Buenos Aires. Sábato, um dos maiores nomes da literatura argentina, estava há vários anos praticamente cego e se mantinha recluso em sua residência na cidade de Santos Lugares.

Joan Baez e Bob Dylan

Liberdade

           O preço da poesia é a eterna liberdade...
           E aderir a determinada escola poética é o mesmo que internar-se, voluntariamente, num asilo de incuráveis.

Das viagens

           O encanto de viajar está na própria viagem.
            A partida e a chegada são meras interrupções num velho sonho atávico de nomadismo.
            Por outro lado, dizem todas as religiões que estamos apaenas de passagem no mundo. E isto é que faz querermos tanto a esta vida passageira.

Da arte de sofrer

    O sofrimento dos poetas é muito relativo. Pois se um poeta consegue um dia expressar as suas dores com toda a felicidade - como é que poderá ser infeliz? Camões, o velho Camões que o diga - com suas imortais penas de amor. Suas felizes penas de amor.

Marlene na praia

Cânticos de Cecília

Cântico XI

Vê formaram-se sobre todas as águas
Todas as nuvens.
Os ventos virão de todos os nortes.
Os dilúvios cairão sobre os mundos.
Tu não morrerás.
Não há nuvens que te escureçam.
Não há ventos que te desfaçam.
Não há águas que te afoguem.
Tu és a própria nuvem.
O próprio vento.
A própria chuva sem fim...

DESEJOS

Como belos corpos de mortos que não envelheceram
e foram encerrados, com lágrimas, em magnífico mausoléu,
com rosas na cabeça  e jasmins nos pés -
assim se lhes assemelham os desejos que passaram
sem se realizar, sem que nenhum
alcançasse uma noite de prazer, ou sua manhã luminosa.

VOZES

Vozes ideais e amadas
daqueles que morreram, ou daqueles que estão
perdidos para nós como os mortos.

Às vezes, em nossos sonhos, elas falam;
às vezes, em nosso pensamento, o espírito as percebe.

E, com seu sussurrro, por um momento voltam
ecos da primeira poesia de nossa vida -
como, na noite, música longíqua que se extingue.

Leituras Sabáticas com Milton Hatoum

http://tv.estadao.com.br/videos,LEITURAS-SABATICAS-COM-MILTON-HATOUM,129232,253,0.htm?pagina=2

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Facas a postos!
Muitos véus
a rasgar.
O sangue
é um detalhe.
Algo esperável
como as chuvas de março.
Frutificam!!
Cheias do Nilo
em mim.
   FMeireles, 27042011

pós-Electra



eu sou o orgulho
do papai,
a alegria
do papai.
grande bosta!
prefiro o 1º de julho:
'Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha,
Minha irmã, minha menina
Mas sou minha, só minha e não de quem quiser'
                                                    FMeireles, 27042011

Meu enigma de/no feriado



T S Eliot

só agora
no vinho
pra conseguir mergulhar mais fundo
oceano cabralino
líqüido e espesso
pouco transparente
denso de incorporiedades
q eu tento
em desespero
conformar
pro meu alívio
pro alívio
cotidiano
e humano
de dar significado
             FMeireles, 27042011

sábado, 16 de abril de 2011

Quintana epigramático

V  Das belas frases

Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há pacóvios bem vestidos.

xxx

VIII  Dos mundos

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

xxx

X    Da vida ascética

Não foge ao mundo o verdaeiro sceta,
Pois em si mesmo tem seu próprio asilo.
E em meio à humana turba, arrebata e inquieta,
S´ele é simples e tranquilo.

xxx

XII    Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

xxx

XVI  Da discreta alegria

Longe do mundo vão, goza o feliz minuto
Que arrebataste às horas distraídas.
Maior prazer não é roubar  um fruto
Mas sim ir comê-lo às escondidas.

Amaldicionário da Literatura Brasileira (parte II de III)

Por Joca Reiners Terron

Marcando o lançamento do selo Má Companhia, eis um dicionário deveras idiossincrático acerca da literatura maldita brasileira em três capítulos. Ó raios, que maldição!

Glauco – Conde Mattosão, o vampiro da poesia marginal, o único poeta surgido em meio aos eflúvios alcoólicos do mimeógrafo dos anos 70 que ainda não foi devidamente aceito/estudado/consagrado. Antes de ficar cego, Glauco Mattoso experimentou com todas as formas poéticas possíveis e impossíveis (sim, pois acabou inventando algumas). Depois da cegueira definitiva nos anos 90, iniciou seu projeto de sonetizar a realidade (já é o recordista do gênero na língua portuguesa, com mais de 2 mil sonetos), sempre abordando “a fealdade, a sujidade, a maldade, o vício, o trauma, o estigma”. Daí, talvez, continuar a ser o que ele mesmo definiu como “melhor ser sapão de brejinho do que sapinho de brejão” ou algo assim pois cito de memória.

Geraldo – “Geraldo” é um nome caro à maldição brazuca; para provar, listo alguns geraldos injustamente esquecidos pelos leitores, tais como Geraldo Ferraz (autor de Doramundo, um romance “de forças primitivas, em que os personagens reais são de fato o sexo, a noite, o medo, a treva”, nos dizeres de Adolfo Casais Monteiro; Ferraz só é lembrado quando, por sorte, lembram de Pagu, de quem foi marido e protetor); Geraldo Vieira (mal foi reeditado há menos de uma década, voltou imediatamente ao esquecimento); Gerardo Mello Mourão (que não bastasse ser poeta, ainda foi líder integralista — é maldição demais — e teve o nome grafado incorretamente no necrológio em plena terra natal); etc.

Hilda – Mas também poderia ser Hilst, Hilda, grande dama boquirrota, autora de Contos D’Escárnio, Com Meus Olhos de Cão, Bufólicas etc; como Brigitte Bardot, Hilda experimentou em sua vida a suprema maldição feminina. Ou seja, foi um pitéuzinho na juventude e imenso trublufú de alpiste na maturidade. Pior que isso só mesmo ter sido a grande, complexa e radical criadora literária que foi. Para encerrar, versinhos: “De pau em riste/ O anão Cidão/ Vivia triste./ Além do chato de ser anão/ Nunca podia/ Meter o ganso na tia/ Nem na rodela do negrão”.

Humorismo – De acordo com Juan José Saer (e novamente recorro a um argentino para justificar a insânia tropical), “a origem do realismo se encontra na comédia, que é, digamos, a arte da realidade como tal”. E completa: “Cervantes, pai do realismo, introduz na narração a comédia como fonte e garantia de historicidade”. No caso brasileiro, porém, uma obra literária caracterizada pelo humor está fadada — apesar de toda a ironia machadiana e do Brás Cubas — a jamais ser levada a sério; somos, brasileiros, mais realistas que a realidade (daí nossa moeda se chamar real), e nossa verve existencial e ginga parecem exigir uma literatura séria, sisuda, compenetrada. Ou seja, somos sérios ao menos no papel. — Para mais, conferir adiante o verbete Realismo.

Imaginação – Nunca precisamos imaginar nada, essa é a verdade. Tá tudo aí, ó, basta subir na bananeira e pegar. Como fazer, então, pra competir com a fauna e a flora, ignorar mulheres boazudas (cuecas, pra quem curte) e o calorão-de-meu-Deus? Como a imaginação literária poderia competir com o capricho Divino aplicado na construção deste imenso condomínio tropical? Como? Ah, melhor abrir uma gelada (ou então escrever um romance cinzento sobre relações familiares fracassadas e traumas passado na cidade grande).

Jaime Rodrigues – Falávamos de humor; o autor de Phutatorius (1979, reeditado em 2004) aplicou todo o seu poder satírico ao descrever a tentativa de fuga do inferno das convenções de um homem que testemunha, a partir de sua poltrona, um elefante despejando black shit na cabeça de seus concidadãos enquanto sobrevoa a cidade. Só que (quase) nenhum leitor viu graça nisso.

Karam – Manoel Carlos Karam fez tudo errado e, ao errar, acabou acertando tudo. Nasceu catarinense, mas sempre foi curitibano (o que só aumenta a confusão). Escreveu contos longos quando deveriam ser curtos e romances curtos quando deveriam ser longos, tudo de modo fragmentário. Falou sério através de narrativas engraçadíssimas e sempre tentou ser discreto do jeito mais extravagante possível, fracassando definitivamente. Escreveu Encrenca e Cebola, dois romances brasileiros dos mais interessantes dos últimos 30 anos, mas aposto que você nunca foi informado disso.

Língua portuguesa – Abram aspas pro Leminski: “Vocês já imaginaram a desgraça que é escrever em português? Sometimes, I wonder. Quem é que sabe português neste planeta, fora Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Macau? (…) Quando Shakespeare, no século XVII, em inglês, escreveu as suas peças, a Inglaterra estava num processo de ascensão acelerado de grande potência mundial”. Opa, quer dizer que existem chances de a maldição ir pras cucuias? Para mais, leiam o formidável raciocínio do poeta curitibano em seu ensaio de Os Sentidos da Paixão (1987).

Maura – Maura Lopes Cançado, a infeliz autora de Hospício É Deus (1965) e O Sofredor do Ver (1968), perfaz o tipo clássico de maldito, neste caso com o acréscimo de ter nascido mulher (o que pode pesar na descalibrada balança do destino). Internada num hospício por desejo próprio, assassinou outra paciente. Nasceu em uma família rica de Minas Gerais. Foi anunciada como escritora revelação pelo Suplemento Dominical do Jornal do Brasil em 1958. Depois, quando foi libertada em 1970, ficou cega. Pertence à tradição maldita manicomial de Lima Barreto.

N – A letra N parece ser a letra mais amaldiçoada deste Amaldicionário, pois matutei e matutei e não lembrei de nenhum maldito começado com N. Ouvi alguém aí dizer Narcelo Nirisola? Vale maldição autoatribuída?

Oswald – Oswald de Andrade, claro que sim. Ou vai me dizer que na escola, apesar de ter sido obrigado e tal, você chegou a ler Serafim Ponte Grande ou João Miramar? Se leu, você é dos meus. E se não leu, leia agora. São livros divertíssimos que não merecem — ao contrário de todo o lixo modernista que “ficou”, como dizem, apesar de o verbo “ficar” para mim ter outra conotação — entrar pelo cânone.

Oralidade – Parte crucial da maldição literária brasileira é essa compulsão invencível que obriga os brasileiros a falar e falar e falar e falar (e, de vez em quando, muito raramente mesmo, a ouvir), mas nunca, de jeito nenhum, irremediavelmente nunca, a ler.

Paranóia – O primeiro livro de Roberto Piva é tão poderoso que quase o desobrigou de escrever seus livros seguintes, afinal escritos, vá lá, mas sem o mesmo impacto imagético e verbal da estreia. Depois dessa visão chapuletada da cidade de SP (de certo modo uma alucinação poética na qual Piva anteviu a necrópole futura), tudo em sua obra perdeu em intensidade (exceto pela putaria hipergay de Coxas e alguns poemas isolados), até minguar na chatice ecomilitante dos últimos dias.

Policial – Uma literatura onde a presença da ficção de gênero (devemos também incluir a Ficção Científica nessa lista de ausentes) é tão inócua só pode ser amaldiçoada.

Tupi Continued…

(coluna do autor no blog da Companhia das Letras, http://www.blogdacompanhia.com.br/category/colunistas/joca-reiners-terron/)

a drunk poet

Amaldicionário da Literatura Brasileira (parte I de III)

má companhia Por Joca Reiners Terron

Marcando o lançamento do selo Má Companhia, eis um dicionário deveras idiossincrático acerca da literatura maldita brasileira em três capítulos. Ó raios, que maldição!

Agrippino – José Agrippino de Paula representa a quintessência da maldição literária brasileira. Teve grana, amou uma das mulheres mais bonitas de seu tempo, depois pirou, empobreceu e acabou morrendo sozinho. Isso tudo apesar de ter meio que inventado o Tropicalismo com Panamérica, romance pop de 1967 (ou seja, publicado na hora certa) que poderia ter rodado mundo e determinado seu lugar no futuro. Também publicou Lugar público (1965), romance tão raro que consegue traduzir literariamente o caos urbano da cidade de São Paulo com técnicas do nouveau roman. Nada disso deu certo, e seus livros continuam na vala lamacenta destinada aos autores cult.

Borges – E o que Jorge Luis Borges faz num amaldicionário de literatura brasileira? Bom, a obra do grande argentino não fez sombra apenas em seus compatriotas, estendendo-se malignamente pro lado de cá e deixando marcas (complexo de inferioridade extremo) em parte significativa da produção literária brasileira dos anos 70 e 80. É a maldição do tango que contaminou o samba com arritmia. (Gabriel García Márquez causou semelhante epigonismo agudo, sobre o qual comentei aqui).

Brasil – É a razão de ser de toda a maldição literária brasileira. Um lugar lotado de mulher gostosa, ensolarado, com carne de vaca relativamente barata e praias (todavia, coliformes fecais e termotolerantes) não poderia gerar boa literatura. E não existe maldição superior a essa. Somando-se ao cálculo a rede de dormir e a feijoada, então, e pronto: ninguém mais faz porra nenhuma. A poeta Elizabeth Bishop deu a deixa ao criticar Manuel Bandeira por escrever e se deixar fotografar deitado na rede, afirmando que nenhuma literatura digna de nota sairia de posição tão relaxada. Quem discordaria dela?

Brevidade – Augusto Monterroso afirmou que “o bom, se breve, duas vezes bom”. Mais problemático é identificar o que pode ser bom numa vasta produção obcecada pela brevidade e por sua contrapartida literária, o conto, ou pior, pela sua versão autoindulgente, o microconto, essa praga que amaldiçoa a literatura brasileira com rapidinhas e rasteiras anedotas de salão.

Campos – de Carvalho, não os Irmãos Campos (que, vá lá, já tiveram fase mais abençoada). O mineiro de Uberaba, esse sim, bebeu e se empanturrou de surrealismo e de literatura francesa. Conta da esbórnia: tornou-se dono de obra verdadeiramente maldita em âmbito nacional. Dúvida: ele merece isso? É claro que não: o autor de A lua vem da Ásia, tão cheio de graça, merece ser lido por multidões. Jorge Amado, que comprava seus livros às mancheias para presentear os amigos, sabia muito bem disso.

Catatau – Brincadeira fascinante com a linguagem realizada por um dos poetas mais populares dos últimos trinta anos, o romance de Leminski nunca passeou por aí como deveria ter passeado. Nisso, ficou restrito ao gueto dos leitores de poesia; ou pior, restrito ao gueto dos leitores dos livros de prosa escritos por poetas, que é habitado por um ou dois poetas que nem ao menos se olham a não ser se for pra se estapearem. Tristeza de maldição, essa.

Décio – Décio Pignatari sempre foi o mala-mor entre os concretistas, mas também o dono da melhor prosa (tá, vamos descontar as Galáxias do Haroldão). Seus textos críticos eram plenos de verve e rebolado sintático. Seus livros de ficção, entretanto, (provavelmente devido à porra-louquice profunda de forma e de conteúdo, exceto talvez pelo romance Panteros) caíram no esquecimento sem nunca terem sido lembrados.

Experimental – William S. Burroughs afirmou certa vez que se algo era chamado de experimental só podia ser sinal de que a “experiência não dera certo”. De fato, tachar um livro de experimental é destiná-lo ao limbo no qual se encontram laboratórios explodidos e cientistas chamuscados, além de não fazer muito sentido numa época em que as conquistas da literatura pós-moderna estão incorporadas ao mainstream. Não, é claro, que os críticos se importem com isso.

Estilo – Grande maldição da literatura em língua portuguesa, praia pro tatibitate bacharelês se esparramar rotundamente, o estilo pode ser catástrofe maior se for confundido com escrever “difícil” (normalmente uma escrita romântica e pernóstica repleta de lirismo). Parte considerável da produção literária brasileira sofre dessa maldição que une idéias rasas à prosa complicada. Nesse aspecto a culpa é toda de Guimarães Rosa.

Ficção Científica – Uma literatura onde a presença da ficção de gênero (devemos também incluir o Policial nessa lista de ausentes) é tão inócua só pode ser amaldiçoada.

Fraga – Fraga, Antônio, anarquista da malandragem, antecipador de João Antonio e suas artes de chutar tampinhas e perdigotar gírias, é que era maldito de verdade. Nunca assimilado, nunca lido, o autor de Desabrigo sabia enfiar o romantismo no saco junto do cavaquinho: “Ó lua cheia / cheia de graça / este teu bucho / tá repleto de cachaça”. Foi o primeiro (com Clarice e Rosa) a receber o epíteto de “post-moderno” por Oswald de Andrade, que afirmou: “O que há, não é post-modernismo e sim a nova literatura do Brasil”.

Tupi Continued…

(coluna do autor no blog da Companhia das Letras, http://www.blogdacompanhia.com.br/category/colunistas/joca-reiners-terron/)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

ito kireshi tako no gotokuni
wakaki hino kokoro karokumo
tobi sarishi kana

o coração de minha juventude
foi-se embora voando levemente
como uma pipa cuja linha se arrebentou


Takuboku Ishikawa

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Um dia feliz

             Hoje foi um dia, digamos assim, gratificante. Estive durante o dia na Secretaria de Educação apresentando para professores da rede municpal o projeto que coordeno na minha escola no turno da manhã. Foi gratificante porque foi um dia de perceber que a vida sabe o que faz comigo. Enquanto outras portas me foram fechadas, ela me trouxe outros espaços de realização profissional onde eu tenho liberdade plena de trabalho e onde tenho a confiança plena dos colegas que comigo desenvolvem o projeto de educação especial. Porque, na verdade, nunca quis o status e/ou o poder que o fazer acadêmico traz consigo. Eu sempre quis um espaço para fazer algo de forma verdadeira e livre. E esse espaço eu o tenho dentro de  meu trabalho com a educação pública básica. E isso não tem preço. E tem também uma dimensão política fantástica. Estou mostrando aos meus colegas que podemos fazer a diferença a partir do momento que dissermos que somos responsáveis e donos de nossas práticas.
              Hoje eu tenho um espaço de ação, de prática pedagógica que é meu e isso não quer dizer que ele seja perfeito ou que esteja completo e fechado, quer dizer apenas que posso CRIAR minha prática, que ouço os outros e suas contribuições e que os outros me ouvem também. Espaço de diálogo é fundamental porque em  instituições fechadas isto não existe. Existe apenas inteligência emocional, arma fundamental pro jogo de poder. E eu, fundamentalmente, não quero, não desejo, não penso pro meu país, uma sociedade pautada no jogo de poder. Quero antes a arte e a poesia, o sorriso na cara, o conhecimento compartilhado abertamente, pois isso é a base de uma sociedade feliz e livre. E não há como construir algo nestes moldes se as nossas medidas de ação forem mesquinhas e egoístas, se os atores não forem pessoas guiadas pela dimensão da liberdade e do amor. É, eu continuo fiel a alguns postulados assumidos aos vinte anos e espero, sinceramente, não sucumbir ao peso dos fatos históricos que os anos trazem consigo.
             Neta segunda à tardinha, eu voltei da escola tranquila e feliz com estes meus tempos em que, de novo, eu coloco uma mochila nas costas e me sinto recomeçando. Meus alunos intrigados com a mochila (professora, a senhora vai vir sempre de mochila?). Dizem meus colegas q, mais q nunca, estou conseguindo me misturar aos alunos. Que coisa boa ter o espírito fresco no outono!!! Então, chegando em casa, um e-mail me chamando pro um outro caminho. Oh, não quero. Em time que está ganhando não se mexe! Ainda mais se for pra levar na cara por opção. Eu não sou burra e não gasto meu tempo dando murro em ponta de faca. Meu tempo é sagrado e ele foi feito só pra aquilo que pode dar certo.

"Mas de repente a madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
E se passou
Passou daqui pra melhor, foi!

Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder."

          Outras coisas estão dando certo na minha vida e algumas pessoas não precisam me cumprimentar na rua ou no shopping  com aquele olhar desesperado de "por favor não venha falar comigo". Eu não preciso falar com elas. A vida não se resume na alternativa que elas, inconscientemente, sabem que me devem. Sei que encontrá-las atrapalha seu humor, deixa seu dia 'esquisito'. Isso está escrito na cara e no gesto de cumprimento à distância. Eu me limito a rir. Sabem tão pouco de mim. Me julgam por outros parâmetros.
          Minha mochila nas costas e meus livros têm me escancarado uma enorme estrada à frente que me convida a ser o que eu sou de forma plena e leve. Por isso nunca sorri tanto na vida.
         Hoje foi um dia feliz. Eu pude ser plenamente o que sou.
        Eu... eu  "Vou prestigiar o time do saci-pererê!! Muito melhor do que muitos por aí com duas pernas de pau." (Banda Black Rio - Saci Pererê (Gilberto Gil))     
          Chegando em casa, preparei um pão de alho, abri uma cerveja e arrumei minha cozinha escutando  o Caetano. Nada mais... simples assim.

domingo, 10 de abril de 2011

Meio-dia

      A tarde é uma tartaruga com o casco empoeirado a arrastar-se penosamente, as sombras foram esconder-se debaixo da barriga dos cavalos, tudo parece uma infinita quarentena - mas está marcando exatamente meio-dia nos olhos dos gatos.

À la manière de la Rochefoucauld

      Os moralistas condenam o que eles não têm coragem de praticar.

O café e o chá

     O café é mais intelectual - o chá, mais espiritual.

Onde estão os poemas?

                      Eu ando lendo o pequeno livro de Milan Kundera  "A arte do romance", do qual acho que já falei aqui. Suas análises são muito perspicazes. Devagar vou acabar resenhando o livro todo. O que me levou a falar dele hoje foi o sétimo tópico da quinta parte do livro. Sim, o autor é (como ele mesmo reconhece) inconscientemente obcecado por números e música e isso marca sua literatura. Não a empobrece, mas ajuda-a a tomar uma forma que é toda sua, peculiar do que chamaríamos o estilo de Kundera.
                   Bom, mas me sentei para escrever por causa do sétimo tópico e vamos a ele. O autor começa citando Jan Skacel
"Os poetas não inventam os poemas
O poema está em algum lugar do passado
Há muito, muito tempo ele está lá
O poeta apenas o descobre."
           Kundera complementa:  "Escrever  significa, portanto, para o poeta romper uma barreira por trás da qual alguma coisa de imutável (o poema) está escondida na sombra. É por isso (graças a esse desvendar surpreendente e súbito) que o 'poema' se apresenta a nós em primeiro lugar como um ofuscamento."
           Com o tempo, o poeta se 'acostuma' a essa luz, sua visão, então, cada vez mais nítida, vai vendo com mais lucidez os contornos e as formas do poema, até conseguir descobri-lo em sua inteireza.
           Lendo isso, me recordei de duas coisas. A primeira, uma situação em sala de aula, quando, estudava com os meus alunos alguns poemas de Quintana e saí com aquela pergunta besta, que só professora faz: O poema tem autor? Quem é? E, meu aluno, que já está no sexto ano pela terceira vez (alguns colegas acham um insulto o menino cagar e andar pra matéria deles), me saiu com essa: É lógico professora, um poema não se escreve sozinho!!   Eu poderia ter mencionado o Kundera, mas é um sexto ano, não é?! Então, só ri da resposta esperta e atrevida.
          Depois, no ônibus, de volta pra casa, fiquei pensando naquilo e acabei por lembrar de FPessoa. Pois é. Ele acabou por nos dar justamente a trajetória para esse desvelamento de que falou o Kundera. Pode-se resumir a proposta pessoana no seguinte percurso: a pessoa > despessoa > apessoa. E isso ele o fez pelo caminho da serpente, como também já postei aqui. Percurso orubórico: o auge do poeta é matar a si mesmo, só assim realiza sua magnum oppus. É, meu aluno estava quase errado (ou quase certo), um poema não se escreve sozinho, mas precisa consumir seu meio de manifestação. No poeta, o poema faz sua transubstanciação.
                                                                                                        Fernanda Meireles, 10.04.2011

 

Crônica do José Castello

Kafka e a estratégia da solidão

             Em abril de 1916, Franz Kafka viajou a trabalho para Marienbad, o famoso balneário da República Checa. Acompanhou-o a irmã favorita, Ottla, cuja presença, apesar dos fortes laços que os uniam, ou graças a eles, era uma garantia de solidão. Kafka apreciou a cidade e decidiu retornar, para uma temporada de férias, ao lado de Felice _ uma das três mulheres com quem esboçou uma paixão. Tinham sido noivos, a relação se rompera, mas um vínculo insistente permanecia. Agarrados a ele, como se atravessassem um abismo sobre uma frágil corda, os dois se encontraram em Marienbad.
             Hospedaram-se em quartos contíguos, porta com porta, chaveadas com prudência de ambos os lados. Um muro, muito mais alto que o desejo, os separa. Na manhã seguinte, Kafka anota em seu diário: "Noite infeliz. A impossibilidade de viver com F. a insuportabilidade da convivência com alguém. Não lamento isso, lamento a impossibilidade de ficar sozinho". Não sofre porque não consegue amar, ou porque Felice não corresponda a seu amor. Sofre porque insiste em algo (o amor) que só atrapalha a literatura. Ela, sim, exige fidelidade absoluta e não suporta ser traída.
            Leio um minucioso relato desse célebre encontro em "Franz Kafka & Praga", de Harald Salfellner (Tinta Negra). Amplamente ilustrado, o livro traz uma foto da famosa Waldquelle, a fonte da floresta, tomada por volta do ano de 1900. De muito longe, a figura de um casal se esboça, duas sombras massacradas pela construção monumental. Podiam ser Franz e Felice. Não são. O modo como o mundo os cerceia e quase anula, no entanto, é o mesmo.
             Muito se fala da incapacidade de Kafka para o amor, cuja prova estaria em suas tentativas fracassadas de se aproximar das mulheres. A anotação no diário atesta, me parece, que não foi bem assim. Não foram os amores que falharam; tampouco as mulheres. Kafka não era incapaz do amor e viveu, várias vezes, a experiência do amor correspondido. Era, sim, incapaz de sustentar seu desejo de solidão e usava as mulheres como álibi para dele fugir. Os amores apenas esboçados foram tampões, muralhas, com que se protegeu de si. Temia a si mesmo, e não às mulheres que amou, ou tentou amar.
           Até que desistiu de insistir em um caminho que _ ele pensava _ não o levaria a nada. Sua literatura está aí, como prova irrefutável, talvez, do acerto dessa decisão. Pode-se pensar: mesmo que tivesse se casado, ainda assim teria escrito. O fato é que preferiu ficar só, e foi sozinho que escreveu. Não foi uma escolha fácil. Por muito tempo, Franz engana a si mesmo. Ainda na estação termal, ele escreve à mãe: "Felice e eu nos encontramos, como de costume, em Marienbad e descobrimos que tratamos a questão de forma errada há alguns anos". Chegara, ele se ilude, ao momento de se corrigir e de acertar. Escrevendo ao amigo e confidente Max Brod, contudo, é mais verdadeiro: "No fundo eu nunca fui íntimo de uma mulher". Ainda se esforça em acreditar: "Mas agora eu vi o olhar da confiança de uma mulher e não pude me fechar".
           Não é que Kafka não amasse as mulheres, a vida em família, os próprios amigos. Não é que a solidão não lhe doesse, e que as companhias não lhe faltassem. Acontece que todos esses vínculos afetivos, de alguma forma, lhe roubavam o tempo para escrever. Desde cedo, viu a literatura como um destino exclusivo ou _ repetindo Tchekov para quem a medicina era a esposa e a literatura a amante _, como uma amante muito ciumenta. Nascera para escrever, e mais nada. Tudo o mais era traição, não aos outros, mas a si.
        Felice retorna a Berlim, onde vive, mas Kafka permanece por mais algum tempo em Mariembad. Está, enfim, em silêncio _ e o silêncio é condição fundamental da escrita. O destino, porém, ergue pequenas armadilhas em seu caminho. Um problema burocrático obriga-o a se mudar para o quarto antes ocupado por Felice. Parece a chance de um novo reencontro _ ainda que na ausência. Mas não: uma vez instalado na cama em que Felice dormiu, sua mente voa para outro lugar. "Aqui quase faz o silêncio que eu quero: a luz da noite arde na mesinha da sacada, todas as outras sacadas estão vazias devio ao frio, só vem um murmúrio uniforme da Kaiserstrake que não me incomoda".
            O destino o empurra para Felice, ou para a literatura? A dúvida o massacrou. Talvez o erro de Kafka tenha sido acreditar que precisava escolher: ou a mulher, ou a escrita. Talvez não se julgasse capaz de suportar o ciúme. Talvez cultivasse o mito de que o coração se doa, sempre, por inteiro, ou se configura a traição. Passa 21 noites sozinho em Mariembad, visita a região, descansa e escreve. Está, enfim, em paz. Pergunto-me se a literatura, de fato, lhe basta. Seus dias se assemelham: toma café da manhã, caminha, vai à quitanda para comer frutas e leite azedo, escreve algumas linhas, dorme um pouco. Recolhe-se _ o que não significa dizer que não sofre. O que não significa dizer que a solidão não lhe pese, pois pesa. A literatura, porém, tem seu preço. O preço que Kafka deve pagar é alto.
           Viajou muitas vezes à Morávia, para visitar seu tio preferido, Siegfried Löwy, irmão de sua mãe. As temporadas com o tio, que é médico em Triesch, são descritas, ao contrário, com grande entusiasmo. Não está sozinho, mas está bem. Talvez porque o tio dele nada espere. Lógica masculina: um homem nada espera do outro. O que faz então? Anda de motocicleta, toma muitos banhos, deita-se (nu) na grama junto ao lago, joga bilhar, dá longas caminhadas, toma cerveja. Chega a fletar com uma moça (sem nome) que descreve, depois, como "aborrecidamente apaixonada". Passeia com outras duas, muito inteligentes, talvez demais, "que precisam manter os dentes cerrados para não se sentirem obrigadas a manifestar uma certeza ou um princípio". Chega a sonhar com uma delas, "com suas pernas curtas e grossas", mas persevera na solidão. O escritor é o guardião de um castelo.
         À solidão se agarra, "casa-se" com ela _ ou seja, consigo mesmo. Seu trajeto pela vida, até hoje, nos serve como síntese da figura do escritor. Mesmo acompanhado, mesmo amparado, mesmo casado e cheio de filhos, um escritor precisa estar só, porque arranca o melhor que tem não dos outros, por melhores que eles sejam, mas de si mesmo. Penso que Kafka é, antes de tudo, um modelo de coragem _ embora, em outra perspectiva, ele possa ser visto como um misantropo, ou um fujão. A misantropia esconde, quase sempre, alguma melancolia, e Kafka foi, de fato, um melancólico.
          Perseverou em sua solidão como um soldado em sua fortaleza _ o castelo a que ninguém tem acesso _ e dela arrancou suas ficções. Não é por outro motivo que, ainda hoje, a figura do escritor, se provoca admiração, provoca também muitas suspeitas. O que faz esse sujeito fechado em si mesmo? O que tanto ele escreve? E para que, ou para quem, escreve? Perguntas que o próprio escritor não sabe responder. Não: a literatura não expressa um desejo de se comunicar. O leitor, quando entra em um livro, é um ladrão. A literatura é, ao contrário, o desejo de se isolar. Hoje, quando os escritores são convocados a falar sobre tudo, prevalece a idéia de que o escritor nasceu para chegar ao outro. A maior parte deles não chega, porém, sequer a si mesmo. Só um deles _ pois a literatura é uma viagem solitária e inegociável _ chegou a ser Franz Kafka.

Pescada em: http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/posts/2011/04/08/kafka-a-estrategia-da-solidao-373737.asp
     
                                             

domingo, 3 de abril de 2011

Cânticos de Cecília

Cântico V

Esse teu corpo é um fardo.
É uma grande montanha abafando-te.
Não te deixando sentir o vento livre
Do infinito.
Quebra o teu corpo em cavernas
Para dentro de ti rugir
A força livre do ar.
Destrói mais essa prisão de pedra.
Faze-te recepo.
Âmbito.
Espaço.
Amplia-te.
Sê o grande sopro
Que circula...

O grande Bergman

          Depois de assistir à primeira parte das cinco horas de 'Cenas de Um Casamento' do grande Ingmar Bergman, como não parodiar o Vinícius e dizer "o amor q me desculpe, mas paixão é fundamental". Feita de silêncios, de palavras obtusas, de gestos incompreensíveis, de intuição, completamente avessa ao racional... Porque perceber o outro é sempre maior do q entendê-lo, porque vc tem as veias acesas, porque os cincos sentidos obliteram a razão e, no final, se vc não se salvar o problema é seu. Taí porque tenho nojo dos fracos, sempre com suas explicações CONSTRUÍDAS em divãs ou em mesas de bar, aprovadas por terapeutas impotentes ou por amigos fracassados.Como não me lembrar também de Dogville e da hipocrisia discursiva de Tom. E eu percebo q o mundo tem caminhado, mas continuamos os mesmos como "nossos pais". Que reconhecimento doloroso para uma geração q se proclamou baluarte de tanta coisa...

sábado, 2 de abril de 2011

Liz

Elizabeth Taylor nua, aos 24 anos (Reprodução / Daily Mail

Pescaria

Os gatos

Os amantes febris e os sábios solitários
Amam de modo igual, na idade da razão,
Os doces e orgulhosos gatos da mansão,
Que como eles têm frio e cismam sedentários.

Amigos da volúpia e devotos da ciência,
Buscam eles o horror da treva e dos mistérios;
Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos,
Se a submissão pudera opor-lhes à insolência.

Sonhando eles assumem a nobre atitude
Da esfinge que no além se funde à infinitude,
Como ao sabor de um sonho que jamais
termina;

Os rins em mágicas fagulhas se distendem,
E partículas de ouro, como areia fina,
Suas graves pupilas vagamente acendem.


BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Edição biligue. Tadução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


Pescado no http://antoniocicero.blogspot.com/2011/04/charles-baudelaire-les-chats-os-gatos.html 


Pra combinar,
o Haroldo de Campos e seu gato


o Guimarães Rosa,

o Julio Cortazar,


o Fereira Gullar,

também pescados em http://www.little-doll-house.com/2010_10_01_archive.html.