Eu ando lendo o pequeno livro de Milan Kundera "A arte do romance", do qual acho que já falei aqui. Suas análises são muito perspicazes. Devagar vou acabar resenhando o livro todo. O que me levou a falar dele hoje foi o sétimo tópico da quinta parte do livro. Sim, o autor é (como ele mesmo reconhece) inconscientemente obcecado por números e música e isso marca sua literatura. Não a empobrece, mas ajuda-a a tomar uma forma que é toda sua, peculiar do que chamaríamos o estilo de Kundera.
Bom, mas me sentei para escrever por causa do sétimo tópico e vamos a ele. O autor começa citando Jan Skacel
"Os poetas não inventam os poemas
O poema está em algum lugar do passado
Há muito, muito tempo ele está lá
O poeta apenas o descobre."
Kundera complementa: "Escrever significa, portanto, para o poeta romper uma barreira por trás da qual alguma coisa de imutável (o poema) está escondida na sombra. É por isso (graças a esse desvendar surpreendente e súbito) que o 'poema' se apresenta a nós em primeiro lugar como um ofuscamento."
Com o tempo, o poeta se 'acostuma' a essa luz, sua visão, então, cada vez mais nítida, vai vendo com mais lucidez os contornos e as formas do poema, até conseguir descobri-lo em sua inteireza.
Lendo isso, me recordei de duas coisas. A primeira, uma situação em sala de aula, quando, estudava com os meus alunos alguns poemas de Quintana e saí com aquela pergunta besta, que só professora faz: O poema tem autor? Quem é? E, meu aluno, que já está no sexto ano pela terceira vez (alguns colegas acham um insulto o menino cagar e andar pra matéria deles), me saiu com essa: É lógico professora, um poema não se escreve sozinho!! Eu poderia ter mencionado o Kundera, mas é um sexto ano, não é?! Então, só ri da resposta esperta e atrevida.
Depois, no ônibus, de volta pra casa, fiquei pensando naquilo e acabei por lembrar de FPessoa. Pois é. Ele acabou por nos dar justamente a trajetória para esse desvelamento de que falou o Kundera. Pode-se resumir a proposta pessoana no seguinte percurso: a pessoa > despessoa > apessoa. E isso ele o fez pelo caminho da serpente, como também já postei aqui. Percurso orubórico: o auge do poeta é matar a si mesmo, só assim realiza sua magnum oppus. É, meu aluno estava quase errado (ou quase certo), um poema não se escreve sozinho, mas precisa consumir seu meio de manifestação. No poeta, o poema faz sua transubstanciação.
Fernanda Meireles, 10.04.2011
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