sábado, 13 de agosto de 2011

Memórias de menina cantadas no Boitempo

O FAZENDEIRO E A MORTE

I
Bate na vaca, bate.
Bater até que ela adote
a cria da vaca morta
como sua cria morta.

Batebate na vaca, bate.

Bota couro sobre couro
na ilusão de cheiro-pêlo.
Se não vale, bate na recusa, bate
naquilo que te rebate.
No desencontro da vaca
e do bezerro e das mortes
enlaçáveis
bate, debate, combate.
Em ti mesmo estás batendo
o deus que não vence o boi.

II
Não queres perder a cria,
é justo, é justo.
Não  queres ver desfalcado
teu difícil gado suado.
E amas em cada bezerro
o boi eterno
na eterna pastagem, sangue
de teu viver.
E bates desesperado
porque a morte não deserta
o curral sujo.

A morte não te obedece
nem a teu amor de dono.
Não tem a morte piedade
de bezerro, a morte é leite
censurado.
Estás batendo na morte
com chicote apaixonado.
O criador ama a cria
como se fosse seu filho.
Aos filhos que tu perdestes
soma-se
o bezerro já morto junto ao ubre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário