terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Leituras de passagem

    Nesta virada 2011/2012, li três livros. Dois do Ignácio de Loyola Brandão e uma antologia poética do português Casimiro de Brito.
   Do primeiro autor, li uma coletânea de contos e a (pluri)narrativa Dentes ao Sol. Bom... o que dizer desse meu reencontro há tanto adiado com Ignácio de Loyola Brandão? Primeiro q foi uma coisa, um desafio q me coloquei motivado pelo primeiro impacto q tive ao começar a ler "Não verás país nenhum". Comprei o livro há muito tempo, há mais de cinco anos, num sebo aqui de JF e comecei a lê-lo, mas a narrativa me angustiou profundamente. Larguei-o. Eu ainda não estava preparada para eles (o livro e o autor). Agora estou frente a frente. E o que tenho a dizer?  Ignácio de Loyola me surpreende porque desafia a minha lógica. Eu, geminiana, cultivada no racionalismo, buscando deixar tudo explicado numa geometria perfeita, lutando severamente contra qqr coisa q desafie a harmonia das esferas, num arroubo muitas vezes arrogante, me inquieto, me sinto desconfortável com as narrativas q beiram o fantástico, mas que, ao mesmo tempo, têm tanto chão, têm tantas possibilidades de ser, quase-ser ou não-ser. Engraçado que no início da faculdade fui apaixonada pela literatura fantástica hispanoamericana, mas elas jamais me deixaram assim no gume da factualidade, semifactualidade ou contrafacutalidade.
       Me sinto tão estéril, quer dizer,  a leitura das obras dele me deixam com a forte sensação de q o racionalismo é tão estéril e restrito. Me pergunto: como ele consegue imaginar essas coisas todas, criar essas histórias e narrá-las  tão bem, deixando o leitor na dúvida sobre q ponto de vista era o dominante, ou seja, com quem estava a verdade da narrativa? Foi essa a pergunta q me fiz, quando, no domingo, terminei Dentes ao Sol. Fazendo um trocadilho, acho q fiquei com meus dentes ao sol, com aquele meio-sorriso de quem não sabe a lógica da piada, um misto de frustração  e  curiosidade, com os olhos ardendo por causa da luminosidade.
        Ainda há muito chão pela frente. Tem "O verde violentou o muro", o dito-cujo do "Não verás país nenhum" e o" Zero" (q vou comprar na net). Vamos ver os próximos posts, pelos quais até eu mesma estou curiosa por saber que texto esses textos vão produzir em mim. De uma coisa tenho já tranquila certeza. Terei de voltar a Ignácio de Loyola Brandão mais algumas vezes na minha vida. A leitura final dele  vai ser coisa difícil de construir, vai exigir muitos exercícios de geometria euclidiana ou, então, na melhor das hipóteses me fará compreender a geometria pós-euclidiana, mais afinada com a teoria do caos. Talvez eu seja mesmo muito newtoniana. Há um muro há ser violentado.
        
    Agora vamos ao Casimiro de Brito. Comprei o livro no meio do ano de 2011, num rompante de 400 reais na Livraria Liberdade aqui de JF. Dentre os outros que ficaram por trazer, eu o escolhi pelo prefácio Ildásio Tavares que menciona a influência oriental na poesia de Casimiro de Brito. Então, levei -o para casa para verificar como no autor se dá essa influência.
     Ao lê-lo, nesses dias, percebo que na sua poética a literatura oriental age como um grande depurador das sensações e sentimentos ocidentais e, mais especificamente, lusitanos. A terrinha e seu encanto pelo sentir o mundo de diversas maneiras. Pessoa já abordou muito bem isso nos seus estudos da alma portuguesa. Tá lá é só ler.
      A influência oriental e, principalmente, a japonesa tira da obra o peso negro das sensações brutas e dos sentimenos densos, tornando mais leves a água, a lava, a terra, as liquidezas e espessuras que perpassam os versos do poeta. Transfigura-as na transfiguração do bardo.
   Outro aspecto muito belo nos versos de Casimiro de Brito, pelo qual ele é muito conhecido, é o erotismo. O poeta canta seu corpo e o corpo da amada de forma bela, pura e carnal ao mesmo tempo. Me remeteu a amores gregos, a corpos edênicos, a qqr coisa ao sul do equador.
      Mais do que uma compra, foi um encontro com alguém que  ritualiza o universo, o mundo e o corpo pelas mesmas litanias  que me são caras. Foi alma com prazer, com mar, com lava, com terra em cânticos pagãos. Alguns poemas:

Meus pensamentos são nómadas
e vagarosos
como a água que vem da montanha
e não sabe nada
do coração dos homens. O meu, por exemplo,
tem a leveza do vento
e corre para casa como se fosse
um cão que precede
os passos do dono.

    xxxxx

Entro no teu corpo árvore
felina
como quem visita um templo
vegetal uma ilha impregnada
pelas especiarias mais raras
do sol e do mar. Ascendo em bocas
que bebem a minha seiva em dunas
que me lavam e queimam
humildes. Armas tão frágeis
as que temos: o mel a saliva o
sémen. Caminho
na luz obscura
com as mãos vazias
de quem nasce de novo. 

   xxxxx 

O POEMA
Poemas, sim, mas de fogo
devorador. Redondos como punhos
diante do perigo. Barcos decididos
na tempestade. Cruéis. Mas de uma
crueldade pura: a do nascimento,
a do sono, a da morte.

Poemas, sim, mas rebeldes.
Inteiros como se de água, e,
como ela, abertos à geometria
de todos os corpos. Inteiros
apesar do barro e da ternura
do seu perfil de astros.

Poemas, sim, mas de sangue.
Que esses poemas brotem do
oculto. Que libertem o seu pus
na praça pública. Altos, vibrantes
como um sismo, um exorcismo
ou a morte de um filho.

    xxxxx 

Cidade caótica —
A borboleta atravessa a rua
Com o sinal vermelho.

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