segunda-feira, 13 de junho de 2011

K & K, Kundera fala sobre Kafka

           Na quinta parte de seu livro A arte do romance, Kundera se dedica a discutir a obra de Kafka. O autor busca definir, em alguns tópicos, o que se toma por kafkiano:
1º - O mundo é uma imensa instituição labiríntica da qual não se consegue sair nem se consegue compreender. Essa grande instituição obedece a leis programadas não se sabe mais por quem e seus interesses nada têm de humanos.
2º - Na ficção kafiana, o dossiê assemelha-se à idéia platônica. Ele é a realidade primeira e a existência individual é seu mero reflexo. A vida cotidiana é uma sombra daquela realidade que está noutro plano, o plano institucional. E aqui, nas terras brasileiras,  temos os frequentes casos das pessoas q têm de provar q estão vivas porque, nos arquivos, elas são dadas como mortas. Essa característica kafkiana poderia receber uma leitura metafísica tradicional, mas dela discorda Kundera ao afirmar que "...em todos os lugares em que o poder é endeusado, ele produz automaticamente sua própria teologia... Kafka não escreveu alegorias religiosas, mas o kafkiano (na realidade e na ficção) é inseparável de seu aspecto teológico (ou antes: pseudoteológico) ".
3º - Em Kafka, o indivíduo punido desconhece a causa da punição e, absurdamente, procura uma justificativa para sua pena. Uma máquina de autoculpabilização começa a funcionar e o acusado passa a procurar sua falta por meio do exame minucioso de sua vida. Kundera cita o caso de Amália e de sua família, em O Castelo, que passam a ser evitados por todos depois q a moça recebeu uma carta obscena e anônima de um funcionário do Castelo. O pai, em vão procura pelo autor e pelo veredicto, mas não os encontra: "o castigado suplica q o reconheçam culpado!" Kundera mostra q situações do tipo são comuns em Praga por volta de 1986 (ano de lançamento do livro) quando pessoas q não conseguem emprego suplicam ao estado um atestado de falta q justifique seu estado de desempregado porque, no país, o emprego é um dever presecrito em lei e o parasitismo é condenável. Então, é melhor ser culpado por algo que nunca se fez do que ser inocente!                                                                                                
                                 
                                      (ilustração de O Castelo)
4º - O cômico faz parte da essência do kafkiano, mas é uma brincadeira para quem está fora da história, nenum pouco engraçada para aqueles da qual são vítimas. O cômico, em Kafka,  'destrói no ovo' qualquer possibilidade de saída para o personagem, mesmo q fosse a saída pela nobreza do trágico.
         Segundo Kundera, "As imagens, as situações e, mesmo, as frases precisas dos romances de Kafka faziam parte da vida de Praga... As imagens de Kafka estão vivas em Praga porque elas são a antecipação da sociedade totalitária."
        Entretanto, não se trata de considerar a obra de Kafka como um tratado sociológico, mas sim como a apresentação e exposição de uma possibilidade humana que a história acabou botando em curso. O totalitarismo está no homem antes de que esteja na sociedade: "Existem tendências na história moderna que produzem o kafkiano na grande dimensão social: a concentração progressiva do poder tendendo a se divinizar; a burocratização  da atividade social q transforma todas as instituições  em labirintos a perder de vista; a despersonalização do indivíduo resultante disso."
to be continue...

Nenhum comentário:

Postar um comentário